Matemática na Idade Moderna


Introdução

O mundo moderno se encontra hoje inteiramente modificado pela ciência e pela tecnologia. As relações entre seres humanos e destes com seu meio ambiente foram profundamente transformadas pelo conhecimento e sua aplicação tecnológica. E, por trás deste conhecimento e em praticamente todos os setores, se encontra a matemática. O conhecimento matemático, mesmo em áreas desenvolvidas a princípio de forma totalmente acadêmica, termina por encontrar aplicação em setores diversos da tecnologia e outras áreas diversas. Por outro lado é comum que a possibilidade de aplicação estimule a evolução do pensamento matemática puro.

O estudo da história da matemática mais recente envolve um número de dificuldades. Apesar de termos hoje uma documentação muita mais farta e elaborada do que as fontes do passado, a ausência de distanciamento histórico impede a avaliação imparcial do fluxo dos acontecimentos. Além disto o passar do tempo e o teste das gerações permite uma filtragem da grande quantidade de material produzido, separando o conteúdo puramente especulativo daquele que frutificou e gerou conseqüências interessantes. Uma dificuldade adicional está na crescente ramificação de todas as disciplinas e na exigência de uma especialização cada vez mais setorizada dos profissionais da área. Se no passado alguns estudiosos brilhantes dominavam diversas áreas do conhecimento e faziam contribuições para diversas delas hoje é bastante difícil que uma pessoa domine por completo uma única área do conhecimento e, mesmo se o fizer, que se mantenha atualizado com todas as evoluções e novas descobertas no seu próprio setor. Especialistas em campos diversos costumam ter dificuldades para se entender e trocar informações. Por outro lado, um grande contingente de pessoas sem formação científica faz uso das aplicações tecnológicas como caixas pretas que elas, nem vagamente, podem entender como funcionam.

(1) Veja a seção sobre o Grupo Bourbaki.

A necessidade de se formar profissionais qualificados em setores extremamente específicos e com grande nível de aprofundamento envolve um desafio para os educadores do presente e do futuro próximo. Como o indivíduo pode obter uma visão equilibrada da sociedade e do mundo se conhece apenas um de seus setores? O ensino da matemática em particular, e das ciências exatas em geral, vem enfrentando sérias dificuldades que precisam ser consideradas e resolvidas. Muitos educadores atribuem as dificuldades à introdução da chamada matemática moderna que motivou, no ensino, um movimento de reforma curricular iniciado em torno da metade do século XX. Professores e pesquisadores perceberam que os avanços obtidos à partir do século XIX não estavam sendo ensinados nas escolas e, por isto, se propuseram a reformar o currículo de forma a fazer chegar estas inovações até os alunos 1. Alguns educadores acreditam, no entanto, que a matemática deste período é demasiado abstrata e voltada para a análise de seus próprios princípios e fundamentos, o que traz dificuldades excessivas para os estudantes. Desta forma eles não conseguem apreender os conceitos modernos e nem dominar as técnicas clássicas da matemática.

Alguns exemplos destas dificuldades podem ser citados. O tratamento formal da teoria de conjuntos passou a ser considerado como base para praticamente todos os cursos de matemática. Outro está no conceito de uma função, originariamente compreendida como uma relação ou regra que associa uma variável independente a uma dependente, \(y=f(x)\) um conceito antigo já utilizado por Galileu e aperfeiçoado, em parte, por Peter Lejeune Dirichlet. Na matemática moderna as funções são vistas como relações entre elementos de um conjunto, um conceito que só foi amadurecido no início do século XX. No caso das funções reais de uma variável, por exemplo, elas representam relações entre pares ordenados de \(\Bbb R^2\).

São válidos, portanto, os esforços atuais para se buscar uma contextualização de conteúdos ensinados na medida em que se progride no aprendizado da abstração. Cabe lembrar, no entanto, que grande parte das aplicações modernas da matemática, seja na ciência pura ou na tecnologia, envolve uma grande quantidade de abstração. Podemos citar a mecânica quântica, base da maior parte dos desenvolvimentos modernos na eletrônica, que faz amplo uso de tópicos sofisticados da matemática tais como as funções de variáveis complexas, as equações diferenciais e suas propriedades de transformação, os espaços vetoriais de dimensões infinitas, e a solução da equação de autovetores e autovalores, entre outros tópicos avançados.

O que é a Matemática

A matemática é o estudo dos conjuntos, abstratos e concretos, suas propriedades e das relações entre os elementos destes conjuntos2. A tendência à abstração, generalizada na matemática, age como um princípio unificador entre conceitos aparentemente diversos e considerados disjuntos. Grosso modo ela pode ser dividida entre pura e aplicada. A matemática pura consiste no uso do raciocínio abstrato baseado em axiomas e a exploração de suas conseqüências. Suas principais divisões são a álgebra, a análise e a geometria. A matemática aplicada consiste em seu uso como linguagem ou ferramenta descritiva de precisão em outros campos do conhecimento tais como a física, química, astronomia, engenharia, economia, estatística, etc.

(2) Conjuntos são objetos fundamentais, não sendo portanto passíveis de definição em termos de outras noções mais elementares. Eles são usados na definição de outros objetos mais complexos. Quando são apresentados de forma informal os conjuntos são tidos como um conceito auto evidente. Em sua apresentação axiomática as propriedades são estabelecidas por meio de axiomas que descrevem suas propriedades.
A linguagem da teoria de conjuntos é baseadas em uma única relação fundamental, a relação de pertinência. Dizemos que um elemento \(a\) é pertence a um conjunto \(A\), (simbolicamente \(a \in A\)) ou, o que é equivalente, que \(A\) contém o elemento \(a\). O conjunto fica determinado pelo agrupamento de todos os seus elementos: dois conjuntos são iguais se possuem exatamente os mesmos elementos. É comum o estudo de conjuntos de números, de pontos, de funções, e muitos outros tipos de elementos. Espaços vetoriais, grupos e variedades são exemplos de conjuntos cujos elementos satisfazem propriedades específicas.

As primeiras noções matemáticas surgiram como abstrações da operação de contar. O progresso do conhecimento se deu principalmente com o surgimento da civilização e do agrupamento humano em áreas urbanas. A evolução posterior se deu, principalmente, devido à necessidade de se medir terrenos, da previsão de estações do ano e da necessidade de localização. Medidas de tempo e de posição, importantes para o planejamento na agricultura e viagens, são ambas obtidas através da observação astronômica. Contribuíram também a busca de construção de armamentos cada vez mais sofisticados e o gerenciamento de mantimentos para as cidades e exércitos. Muitos autores afirmam que a construção de templos e a representação ritual do universo segundo a mitologia vigente também impulsionaram sua evolução, em especial dos aspectos mais teóricos e abstratos. As contribuições mais importantes da antiguidade são atribuídas às civilizações da Mesopotâmia e Grécia, enquanto as culturas egípcia e romana se limitaram a aperfeiçoar as técnicas de medida e a prática aritmética.

Durante o período áureo, na Grécia, a matemática recebeu um grande impulso, principalmente no que se refere à geometria. De inspiração filosófica e menos voltada para utilização pragmática, os gregos lançaram as bases metodológicas da ciência abstrata e da matemática. Esta idade de prosperidade cultural durou até que o império romano se espalhou por todo o ocidente. De mentalidade prática e pouco dada às questões filosóficas os romanos pouco contribuíram para a expansão do conhecimento matemático.

Matemática Ocidental

Com a queda do império romano e a ascensão da igreja romana o mundo ocidental entrou em um longo período de depressão intelectual, a chamada Idade das Trevas, só superada no Renascimento com a redescoberta dos grandes textos clássicos gregos e romanos. Durante os séculos XII a XV a Europa teve acesso à matemática produzida pelos árabes ou por eles apreendidas dos hindus e gregos antigos. O conhecimento recém redescoberto encontrou rápida difusão devida à invenção da imprensa e à formação das primeiras universidades européias.

O século XVII

Descartes, Napier, Newton e Leibniz

Durante o século XVII ocorreu a revolução científica impulsionada pela consolidação da teoria heliocêntrica de Copérnico e pelos avanços propostos por Galileu e Kepler e que, mais tarde, propiciou a ocorrência da revolução industrial. Em 1637, em seu livro Discurso sobre o Método, René Descartes apresentou os fundamentos da geometria analítica através do formalismo que permite a localização de pontos do plano por meio de um sistema de coordenadas, tornando possível, por exemplo, o cálculo de distâncias entre pontos por meio do teorema de Pitágoras. Problemas geométricos são, desta maneira, transformados em problemas algébricos. Em 1614 John Napier apresentou sua definição de logaritmo como operação inversa da potenciação, o que representou um grande progresso nas técnicas de cálculo, úteis principalmente para os longos e tediosos cálculos efetuados pelos astrônomos da época.

(3) Funcionais são funções que tem como argumento outras funções.

Ainda no século XVII, Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz inventaram, independentemente e apoiados sobre os trabalhos de pensadores como Descartes e Fermat, a ferramenta fundamental da matemática como a entendemos hoje: o cálculo diferencial e integral. Apesar do grande avanço havia uma grande lacuna no conhecimento sobre os fundamentos desta disciplina e sua justificação. Em particular estava ausente o conceito de limite só plenamente desenvolvido no século XIX. Muitos matemáticos contribuíram para o aperfeiçoamento do cálculo, entre eles os irmãos Bernoulli e o matemático suíço Leonhard Euler. Euler foi um dos fundadores de duas disciplinas matemáticas: o cálculo das variações e a geometria diferencial. A geometria diferencial consiste na aplicação das técnicas do cálculo diferencial para o estudo das propriedades gerais de curvas e superfícies. O cálculo das variações, retomado por Lagrange a partir de 1760, é a área da matemática que busca generalizar o problema de se encontrar extremos (máximos ou mínimos) de funções para a procura de extremos de funcionais3, que são expressões do tipo
$$I = \int _{a}^b f\left[x,y,\frac{dy}{dx}\right] dx$$

onde \(f\) é função que tem como argumento outra função \(y(x)\) e, possivelmente, da variável independente \(x\). Busca-se encontrar a função \(y(x)\) que extremiza a expressão \(I\), denominada funcional. A solução é dada pela equação de Euler-Lagrange,
$$\frac{\partial f}{\partial y} – \frac{d}{dx}\left(\frac{\partial f}{\partial y’}\right) = 0$$

O século XVIII

As conquistas científicas ocorridas no final do século XVII e início do século XVIII e o progresso social decorrente levaram a um grande movimento de renovação intelectual conhecido com Iluminismo. O Iluminismo foi um movimento cultural e social fundamentado na exaltação da razão, o atributo humano através do qual se pode compreender o universo e aperfeiçoar sua própria condição. Nele se considerava que o objetivo humano era a obtenção do conhecimento, a liberdade e a felicidade. A crítica iluminista logo se voltou contra a tradição e a autoridade daqueles que se julgavam responsáveis por guiar o pensamento dos cidadãos e contra o dogmatismo. A luta contra o dogma se deu, na esfera política, na oposição ao absolutismo monárquico. Alguns reis, percebendo o alcance das novas idéias, apoiaram e estimularam a nova tendência. Os “déspotas esclarecidos”, como ficaram conhecidos, assumiam publicamente o papel de mecenas das artes e das ciências e abrigavam em suas cortes cientistas, artistas e pensadores, geralmente atuando como consultores e tutores de suas crianças. Esse apoio, no entanto, era quase sempre superficial e ditado por conveniências políticas ou estratégicas, não configurando uma aliança real e nem os comprometendo com as reformas.

D’Alembert, Laplace, Lagrange e Monge

Vários matemáticos importantes viveram neste período, entre eles d’Alembert, Laplace, Lagrange e Monge. Jean Le Rond d’Alembert foi um matemático e físico francês que, ao lado de Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Denis Diderot, participou da edição da famosa Encyclopédie, que teve enorme repercussão no século XVIII e lançou as bases culturais de um movimento de renovação que culminou com a revolução francesa, em 1789. D’Alembert nasceu em 1717 em Paris, segundo alguns historiadores filho ilegítimo de uma mãe aristocrata e um general. Sua mãe o entregou à esposa de um vidreiro de poucas condições financeiras. Mais tarde, quando já era um matemático de renome, d’Alembert se recusou a aceitar as tentativas de aproximação de sua mãe biológica, preferindo ser reconhecido como filho do casal de origem humilde que o adotou. Com 22 anos de idade D’Alembert enviou seus primeiros artigos à Academia de Ciências, da qual passou a ser membro em 1741. Nesse mesmo ano publicou sua obra Traité de Dynamique (Tratado de dinâmica), na qual estendeu a lei de ação e reação de Newton aos corpos rígidos. Estes estudos se revelaram particularmente importantes para o projeto e construção de estruturas destinadas a suportar grandes pesos, tais como pontes e grandes coberturas. Ele também fez contribuições importantes para o cálculo infinitesimal, mecânica de fluidos, astronomia e ótica. D’Alembert redigiu para a Enciclopédia o “Discours préliminaire” (prefácio) e diversos artigos sobre as ciências naturais, ensaios filosóficos e artísticos, bem como uma teoria da música. Ele morreu em Paris em 1783, seis anos antes do início da revolução popular.

De 1798 a 1801 Napoleão Bonaparte liderou um a expedição militar ao Egito, acompanhado de vários cientistas. Entre eles estavam os matemáticos Gaspard Monge e Jean-Joseph Fourier, o físico Malus e o engenheiro Nicolas-Jacques Conté. Os franceses se instalaram no Cairo onde Bonaparte criou o Instituto do Egito com a missão de difundir o progresso e o Iluminismo no Egito.

A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de 1789, marca o início do movimento revolucionário pelo qual a burguesia francesa, consciente de seu papel preponderante na vida econômica, removeu do poder a aristocracia e a monarquia absolutista. O novo modelo de sociedade e de estado criado pelos revolucionários franceses influenciou grande parte do mundo e, por isso, a revolução francesa representou um importante marco histórico da transição do mundo para a idade contemporânea e para a sociedade capitalista baseada na economia de mercado. A declaração de independência pelos Estados Unidos e a revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha são outras duas grandes transformações que marcaram a transição da idade moderna para a idade contemporânea.

Fourier

Durante a revolução francesa e o período napoleônico, surgiu na França uma nova geração de matemáticos, na qual se destacaram Lagrange, Laplace e Fourier, entre outros. Nesta época a maior parte dos matemáticos não estava associado a nenhuma universidade mas sim a instituições eclesiásticas ou militares. Havia ainda aqueles que se encontravam sob a proteção de algum nobre ou davam aulas particulares. Napoleão Bonaparte apreciava a matemática e sabia de sua importância para o gerenciamento das forças armadas e para a estratégia de guerra. Por isto ele estimulou o aprimoramento do ensino fundando a École Polytechnique sob a orientação do matemático Gaspard Monge.

Monge (1746-1818), procurando soluções para problemas ligados à construção de fortificações, desenvolveu os primeiros alicerces da geometria descritiva. Ele também usou o cálculo infinitesimal para determinar a curvatura de uma superfície. Plenamente identificado com os ideais da revolução francesa, Monge recebeu várias atribuições oficiais. Em 1791 integrou o comitê responsável pela implantação do sistema decimal de pesos e medidas e, de 1792 a 1793, foi ministro da Marinha. Participou da criação da École Normale Supérieure e da École Polytechnique onde lecionou geometria descritiva e analítica. Monge era um professor excepcional e suas notas de aulas foram transformadas em livros, Géométrie descriptive e Feuilles d’analyse appliquée à la géométrie, utilizados por muitos anos a seguir.

Outro matemático do período foi Joseph Louis Lagrange (1736-1813), nascido na Itália e naturalizado francês, que se dedicou a estudar a teoria da gravidade de Newton, a mecânica celeste e estabilidade do sistema solar, a teoria dos números, probabilidades e equações diferenciais. Ele também trabalhou sobre problemas algébricos que resultaram, mais tarde, na teoria de grupos desenvolvida por Évariste Galois. Lagrange não se envolveu muito com o tumulto político durante a revolução francesa mas contribuiu para o desenvolvimento das escolas recém criadas. Ele propôs um formalismo sofisticado que trata de modo uniforme as equações do movimento e que permite a solução de problemas complexos de mecânica de forma direta. Seu formalismo é uma aplicação do cálculo variacional proposto por Bernoulli e Euler. Por meio dele se mostra que as equações de movimento de Newton decorrem da minimização de um funcional construído a partir da função, hoje denominada Lagrangeana, definida como a diferença entre a energia cinética e potencial do sistema estudado, \(L=T-V\).

Também Pierre Simon de Laplace (1749-1827) fez contribuições para a matemática, a mecânica e a astronomia e contribuiu para a formação das novas escolas. De origem modesta ele se tornou professor da Escola Militar de Paris em 1769 por recomendação d’Alembert. Em 1773, iniciou a compilação das pesquisas e teorias astronômicas de Isaac Newton, Edmundo Halley e outros célebres cientistas, cujas obras se encontravam dispersas, e buscou explicar as aparentes anomalias das órbitas planetárias. Realizando cálculos minuciosos sobre os efeitos gravitacionais recíprocos de todos os corpos do sistema solar ele descobriu que as órbitas ideais propostas por Newton apresentavam desvios periódicos. Nessa época, concluiu também uma brilhante análise sobre o eletromagnetismo.

(4) Um exemplo é a integral elíptica do primeiro tipo
$$F(k, \phi)= \int _{0}^\phi\frac{d\theta}{\sqrt{1-k^2sen^2\theta}}. $$
(5) A lei da reciprocidade quadrática, mais tarde aprimorada por Gauss, afirma que se \(p\) e \(q\) são primos então há uma relação direta entre \(p\) ser quadrado módulo \(q\) e \(q\) ser quadrado módulo \(p\). Este teorema fornece um algoritmo para determinar se um inteiro \(a\) é quadrado módulo \(p\), sendo \(p\) um primo.

Em Exposition du système du monde (1796; Exposição do sistema do mundo) Laplace explicou a origem do Sol e dos planetas a partir de uma nebulosa. Em Traité de mécanique céleste (1798-1827; Tratado de mecânica celeste), em cinco volumes, fez uma completa interpretação da dinâmica do sistema solar apoiada em ferramentas matemáticas. Seus trabalhos sobre a teoria da probabilidade tornaram-se amplamente conhecidas e respeitadas nos círculos científicos. Por seu apoio à revolução ele foi Ministro do Interior de Bonaparte por seis semanas sendo nomeado s ferramentas básicas para a física matemática, estudou as integrais elípticas4 que surgiam no estudo de comprimentos de arcos e formulou a lei da reciprocidade quadrática 5 (determinação dos divisores para os quais o número dado é resto quadrático). Ele também escreveu quatro dissertações sobre a atração dos esferóides onde estudou a função que hoje leva seu nome e tem grande aplicação em astronomia. Um de seus livros, Éléments de géométrie (1794), foi utilizado por muito tempo como livro texto e, algumas vezes, foi considerado o equivalente moderno dos Elementos de Euclides. Em 1798, publicou Théorie des nombres (Teoria dos números) onde aparece o primeiro estudo sistemático das quadráticas ternárias e se utiliza a lei da reciprocidade quadrática. Contribuiu também para assentar as bases de um dos mais famosos problemas da teoria dos números, o da distribuição dos números primos. Legendre sugeriu em 1808 que o número de primos menores que um inteiro n podia ser dado por
$$\pi(n)\approx \frac{n}{ln n−1,08366}$$

O problema somente foi completamente resolvido em 1896 por Jacques Hadamard e Charles de La Vallée-Poussin, que mostraram estar correta, em primeira aproximação apenas, a suposição de Legendre.

Apesar da importância de sua contribuição logo surgiu uma geração de grandes matemáticos na Europa e seus progressos rapidamente ultrapassaram os obtidos por Legendre. Entre eles estava Gauss, responsável por notáveis avanços na teoria dos números, Abel e Jacobi, nas funções elípticas. Legendre não manteve boas relações com Gauss mas recebeu com entusiasmo as contribuições de Abel e Jacobi, divulgando-as com empenho embora elas representassem a superação de seus prórios trabalhos. Legendre morreu em Paris, em 10 de janeiro de 1833.

Ainda na época da revolução viveu Joseph Fourier (1768-1830), filho de um modesto alfaiate que veio a se tornar um grande matemático. Ainda criança Fourier mostrou talento extraordinário e mais tarde teve participação ativa na revolução, cujos ideais o atraíram para a política. Em 1795 tornou-se professor da recém-criada École Normale e logo da École Polytechnique.

Fourier apreciava o estudo da arqueologia e em 1798 acompanhou Napoleão Bonaparte ao Egito, onde teve a oportunidade de se dedicar a esta pesquisa exercendo a função de secretário do Instituto do Egito, fundado no Cairo por Napoleão. De volta à França ele ocupou cargos públicos importantes e, em 1809, recebeu o título de barão. Com a queda de Napoleão deixou a política e limitou-se à vida acadêmica em Paris como membro de várias sociedades científicas.

Dentro da tradição inaugurada por Galileu e Newton, Fourier usou a observação experimental e a matemática aplicada a problemas físicos. Em sua obra mais notável, Théorie analytique de la chaleur (1822; Teoria analítica do calor), demonstrou que a condução do calor em corpos sólidos pode ser expressa por meio de séries trigonométricas infinitas. As séries de Fourier são aplicadas a um grande número de problemas físicos e matemáticos, inclusive como base das operações em mecânica quântica. Elas representam uma generalização das séries de Taylor desenvolvendo uma função periódica em termos de uma série de senos e cossenos de múltiplos inteiros da variável. Fourier morreu em Paris em 16 de maio de 1830.

O Século XIX

Durante o século XVII e XVIII foram estabelecidas as bases da matemática em sua forma moderna. O século XIX foi um período de intensa pesquisa sobre os fundamentos da matemática e, nesta época, começaram a surgir os jornais devotados à publicação científica e os cursos de formação específica em matemática e ciências. A fundação da École Polytechnique em Paris (1794-5) contribuiu grandemente para a revitalização da geometria, tendência seguida mais tarde por escolas similares em Praga (1806), Viena (1815), Berlim (1820) e muitas outras. Os estudiosos do período começaram a se dedicar aos princípios básicos e fundamentos, como uma reação à aplicação descuidada do cálculo e da geometria cartesiana que era feita nos primeiros tempos, durante o século XVIII. Os principais avanços estavam relacionados às séries infinitas, à teoria dos números, aos conceitos de função, de continuidade e limites. A Teoria das Funções, fundada por Cauchy, Riemann e Weierstrass, seguidas dos avanços sobre geometria descritiva e projetiva, da Teoria dos Grupos das formas e dos determinantes foram outras contribuições de primeira ordem deste período.

Também no século XIX se observou o início da tendência a especialização. Lagrange, Laplace e Gauss, em períodos anteriores, dominavam razoavelmente bem a matemática, a física e a astronomia. Com o surgimento da nova geração, incluindo Carnot, Poncelet, Galois, Abel e Jacobi, a matemática se subdividiu em diversos ramos mantendo relações nem sempre muito claras entre si. É uma tendência bem recente o esforço para se compreender de forma unificada estes ramos, basicamente através da teoria de funções e dos grupos.

As revoluções sociais e políticas ocorridas durante o século anterior favoreceram o crescimento da investigação científica em toda a Europa. Grandes conquistas foram apresentadas neste período, em particular as geometrias não euclidianas e espaços n-dimensionais, álgebras não comutativas, processos infinitos e análises qualitativas. Aos poucos as nações, além da França, passaram a investir em suas instituições de ensino, embora o apoio para a pesquisa em matemática pura continuasse escasso.

Gauss

O matemático mais notável do período foi sem dúvida o alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Gauss mostrou desde cedo sua habilidade para a matemática. Conta-se que, quando criança, um professor propôs para sua turma o problema de somar os cem primeiros inteiros, ao que ele teria respondido imediatamente, calculando mentalmente, com a resposta correta: 5050. Supõe-se que ele teria visualizado que a soma procurada corresponde a soma de 50 pares de números, cada um somando 51. Aos dez anos Gauss iniciou seus estudos regulares de matemática surpreendendo os professores pela facilidade com que realizava complicadas operações e aprendia novas línguas. Em 1792 ingressou no Collegium Carolinum onde estudou as obras de Newton, Euler e Lagrange. Durante esta fase da vida ele iniciou suas pesquisas sobre a aritmética superior. Em 1799 Gauss completou seu doutorado pela Universidade de Helmstedt provando, em sua tese, o teorema fundamental da álgebra. Segundo este teorema toda equação polinomial de grau \(n \ge 1\) com coeficientes complexos admite pelo menos uma raiz complexa. É equivalente a se dizer que o polinômio \(P(z)\) de grau \(n\) possui n raízes \(z_{i}\), que são os valores satisfazendo \(P(z_i) = 0\), sendo que algumas destas raízes podem ser degeneradas ou múltiplas.

Gauss era também profundamente interessado pela física e suas relações com a matemática. Em 1801 um astrônomo seu conhecido publicou uma tabela contendo posições orbitais de Ceres, um “pequeno planeta” recém descoberto que era, na verdade, um asteróide. Infelizmente sua trajetória havia sido observada a apenas 9 graus antes que o “planeta” desaparecesse ocultado pelo Sol. Diversos atrônomos publicaram previsões de onde ele deveria reaparecer, sendo que a previsão de Gauss era bastante diferente das demais. Ao ser redescoberto Ceres estava quase exatamente onde Gauss havia predito. Para este cálculo ele usou o método da aproximação dos mínimos quadrados que ele mesmo desenvolvera, embora não tivesse ainda divulgado seu método. O método só se tornou conhecido do público em 1812. Em 1807 ele foi nomeado professor de astronomia e diretor do observatório da Universidade de Göttingen.

(6) Levantamento e representação da forma e da superfície da terra.
(7) Métricas são entidades matemáticas de medição de distância e ângulos em um espaço. O produto escalar ordinário é uma métrica de \(\Bbb R^3\).
(8) Veja adiante o tópico sobre variedades.

Gauss aplicou o método dos mínimos quadrados na solução das distribuições de probabilidade nos campos da mecânica, estatística e economia, e na abordagem da forma das superfícies curvas mediante expressões matemáticas, o que lhe permitiu determinar o tamanho e a forma aproximados da Terra. Os trabalhos de Gauss também se estenderam às áreas da ótica e do magnetismo. Dotado de grande habilidade manual, construiu e aperfeiçoou instrumentos de medição da luz e das distâncias astronômicas, tendo construído um magnetômetro, instrumento destinado a medir a intensidade do campo magnético. Gauss foi conselheiro científico, de 1821 a 1848, dos governos de Hannover e da Dinamarca, e desenvolveu minuciosos estudos de geodésia6, que o levaram a examinar, em toda a sua generalidade, problemas relativos às superfícies curvas e à questão da representação conforme. Ele também fez contribuições notáveis para a teoria dos números, o cálculo das probabilidades, para o método de solução de sistemas de equações lineares que leva seu nome, o método de Gauss-Jordan, para a teoria da potencial e análise real. Gauss morreu em Göttingen em 23 de fevereiro de 1855.

Riemann

A geometria não euclidiana, apresentada por János Bolyai e Nicolai Lobatchevski, foi uma das mais importantes descobertas do período. Gauss foi o primeiro a conceber o conceito de curvas e superfícies como espaços em si mesmo, tendo sido o fundador da geometria diferencial intrínseca, com seu Teorema Egregium. Em meados do século XIX, Bernhard Riemann introduziu um tratamento para a geometria que unificava as tentativas de Bolyai e Lobatchevski e considerava no mesmo formalismo espaços com qualquer número de dimensões. A geometria de Riemann era feita de forma puramente intrínseca, onde a curvatura e outros objetos geométricos podem ser descritos sem qualquer referência a espaços ambientes. Riemann extendeu o conceito de geometria intrínseca de Gauss a espaços de dimensão e métrica7 arbitrárias, o conceito de variedade8. O formalismo e conceitos por ele desenvolvidos influenciaram diretamente a formulação da teoria da relatividade, no século seguinte, por Albert Einstein.

Évariste Galois e Niels Henrik Abel formularam as teorias de grupos, funções e variáveis complexas, enquanto Karl Weierstrass, Richard Dedekind e Georg Cantor definiram formalmente os números irracionais, em 1872. O século XX foi marcado por avanços no campo da topologia e por discussões sobre os fundamentos da matemática, estudados por Bertrand Russell, Alfred Whitehead, David Hilbert e Georg Cantor, entre outros.

Século XX e o Grupo Bourbaki

Com a devastação provocada pela Primeira Guerra Mundial muitos jovens professores e pesquisadores foram mortos ou abandonaram a Europa. Recém graduados em matemática, tais como Dieudonné e Cartan percebiam que não haviam recebido a formação mais atualizada possível da matemática de sua época. Nas palavras de Henri Cartan: “somos a primeira geração pós guerra. Há uma lacuna antes de nós. Temos que começar tudo de novo.”

Nicholas Bourbaki, um personagem fictício mas importante

Em torno do ano de 1935 um grupo de aproximadamente dez amigos, recém graduados da école Normale Supérieure de Paris e encarregados de ensinar nas diversas universidades francesas passou a discutir a validade da forma de apresentação dos textos antigos e resolveu formar um grupo, reunidos sob o pseudônimo de Nicolas Borbaki, para apresentar novos textos e novas abordagens para o ensino da matemática. Faziam parte do grupo diversos matemáticos tais como Henry Cartan, André Weil, Jean Delsarte, Jean Dieudonné e Claude Chevalley que passaram a se reunir em um Café de Paris para planejar sua reforma. Segundo Chevalley o projeto se iniciou de forma bastante ingênua e pouco pretensiosa: basicamente ele pretendiam refazer o livro texto de E. Goursat, utilizado nos cursos de Cálculo Integral e Diferencial. Após alguma discussão eles resolveram que deveriam refazer toda a apresentação da parte essencial, do início ao fim, sem necessariamente acrescentar novidades ou novos resultados, mas estabelecendo uma melhor didática de apresentação.

O nome Bourbaki tem uma origem curiosa, segundo o relato de Weil. Enquanto ele e alguns amigos frequentavam a école Normale houve um convite para que os alunos do primeiro ano comparecessem à uma conferência proferida por um orador, supostamente famoso, que era, na verdade, um estudante mais velho disfarçado com barba postiça e simulando sotaque estrangeiro. O aluno proferiu uma palestra incompreensível, recheada de resultados falsos e absurdos embora se esforçando para torná-los verossímeis. Ao final da palestra ele concluiu com o “teorema de Bourbaki” que, evidentemente, não existia. O grupo adotou o nome, anexando Nicolas como primeiro nome, segundo sugestão da esposa de Weil.

Muitos dos membros permaneceram unidos e em atividade durante toda a sua vida, e sua contribuição ultrapassou de longe sua proposta inicial. Buscando incorporar as novidades da matemática o grupo tinha uma única regra: aposentadoria compulsória aos 50 anos. O grupo Bourbaki pretendia criar ferramentas essenciais para o uso dos matemáticos, de forma logicamente ordenada, iniciando pelos fundamentos e construindo gradualmente todo o edíficio da matemática. E como fundamento ele escolheram a teoria dos conjuntos que foi revisada em um primeiro livro de uma série de seis. O grupo Bourbaki acreditava que as antigas divisões da matemática não mais deveriam ser consideradas válidas e resolveram propor, após muitas discussões acaloradas, os seguintes tópicos e ordenamento para o seu “Éléments de Mathématique”:

  1. Teoria de Conjuntos,
  2. Álgebra,
  3. Topologia,
  4. Funções de uma variável real,
  5. Espaços vetoriais topológicos,
  6. Integração.

Os seguintes tópicos foram considerados essenciais: Álgebra linear e multilinear, topologia básica, grupos de Lie, variedades diferenciáveis e geomeria Riemanniana, entre outros. Segundo Dieudonné eles haviam conseguido uma forma de eliminar os tópicos que não se relacionavam de forma clara com nenhum outro aspecto da matemática.

Logo o grupo Bourbaki se apercebeu da magnitude do projeto proposto. Eles faziam três reuniões anuais que duravam uma ou duas semanas durante as quais trabalhavam nos livros. A regra principal era obter unanimidade em todos os aspectos e qualquer membro podia vetar um ponto específico qualquer e ser exposto. Qualquer membro poderia escrever sobre um tópico escolhido pelo grupo e sua versão preliminar seria lida em voz alta e severamente criticada pelo grupo. Um segundo colaborador escrevia então uma segunda versão procurando atender a todas as sugestões e críticas coletadas durante o primeiro debate. Um capítulo de livro poderia passar repetidamente por este processo até dez vezes antes que o grupo considerasse o texto satisfatório, o que levava a preparação de um livro a durar em média de oito a doze anos. Apesar disto o grupo se manteve ativo por mais de vinte anos, publicando um grande número de volumes.

A maior parte dos membros do grupo lecionava e pesquisava em universidades francesas, onde podiam novos membros recrutar entre os estudantes que demonstravam aptidão para a matemática. Não havia um número fixo de participantes e ninguém era oficialmente substituído por um novo membro. Um estudante podia ser convidado a participar sob forma probatória, sendo cobrado a compreender as discussões e a participar ativamente do processo para sua aceitação definitiva. Apesar de estar entre os maiores matemáticos de sua época o estudante deveria ser capaz de emitir opiniões sobre os tópicos em questão. O grupo produziu livros importantes sob o pseudônimo de Bourbaki e muitos anos se passaram antes que revelassem a identidade dos participantes.

Como conseqüência de tamanho rigor os livros do grupo Borbaki foram os primeiros a exibir uma organização estrita de tópicos e o uso sistemático da apresentação axiomática. Eles sempre buscavam iniciar seu tratamento sobre aspectos gerais tendendo em seguida para os casos particulares, sempre partindo do pressuposto de que a matemática é fundamentalmente simples e que que sempre existe uma resposta otimizada para cada pergunta formulada. Para atingir este fim eles definiram cuidadosamente sua notação e estrutura de apresentação das idéias, tornando os seis livros da coleção “éléments de mathématique”, ordenados de forma bastante organizada e linear. Qualquer referência feita nos livros só poderia ser encontrada em um ponto anterior da apresentação, o que na verdade desagradou alguns leitores e estudantes que reclamaram do “sistema excessivamente rígido, do estilo seco e ausência de referências externas”. Mas, apesar das queixas de alguns, o estilo do grupo teve profunda repercussão sobre a matemática de hoje, particularmente no que se refere ao ensino.

Após o término da preparação dos seis primeiros livros surgiu a questão sobre como o grupo deveria prosseguir em sua atuação. Os membros fundadores, que haviam realizado a maior parte do trabalho, estavam se aproximando da idade de aposentadoria compulsória, decidida pelo próprio grupo. Era chegado o momento de procurar por tópicos mais especializados, o que introduzia a dificuldade em se manter o mesmo estilo estruturado e o envolvimento de todos os membros, já que seria impossível conseguir que todos participassem em condições de igualdade. Apesar das dificuldades o grupo continuou produzindo textos. Em sua segunda série dois livros, Álgebra Comutativa e Grupos de Lie, foram publicados e bem recebidos pela comunidade acadêmica. Pelo final da década de setenta a proposta e métodologia do grupo Bourbaki havia sido bem assimilada e aceita, e muitos autores já estavam seguindo a mesma orientação. A tentativa de se manter o mesmo formato rígido tornou difícil para o grupo trabalhar sobre as disciplinas novas e o grupo se viu sem motivação para continuar sua tarefa. Para complicar a situação o grupo se viu envolvido em longas disputas judiciais travadas com as editoras sobre os direitos de tradução e publicação. Em 1983 Bourbaki publicou seu último volume: Teoria Espectral.

Como já foi mencionado, a proposta de trabalho do grupo Bourbaki e o estilo de apresentação era muito eficiente e influenciou toda a literatura matemática posterior, sendo que grande parte de sua notação e vocabulário permanece em uso até o presente. O grupo Borbaki foi o responsável pela adoção do símbolo \(\emptyset\) para representar conjuntos vazios, os símbolos \(\Bbb N, \Bbb Z, \Bbb Q, \Bbb R, \Bbb C\) significando os conjuntos dos naturais, inteiros, racionais, reais e complexos respectivamente, da seta \(\Rightarrow\) para indicar a implicação e a adoção das palavras injetora, sobrejetora e bijetora para se referir à aplicações ou funções. Partiu deles a escolha da teoria dos conjuntos para iniciar o estudo da matemática o que teve reflexos profundos na estrutura do ensino no mundo todo. A influência do grupo foi particularmente forte entre os matemáticos brasileiros que, por um longo período, foram profundamente influenciados pela escola francesa.

Disciplinas Matemáticas

Em sua evolução histórica, a matemática experimentou uma progressiva diferenciação em áreas. Entre as mais importantes estão a aritmética, a geometria, a álgebra, a análise matemática – que engloba o cálculo diferencial e integral –, a trigonometria, a teoria dos conjuntos, a probabilidade e a estatística.

A Aritmética é o estudo do número, suas propriedades e as operações que com ele se podem efetuar. A progressiva expansão da noção de número – do conjunto de números naturais para os inteiros, racionais, reais e complexos – definiu de certa forma o surgimento de outras disciplinas da matemática, como a álgebra e a teoria de conjuntos.

A Álgebra é a disciplina que estuda as relações entre números por intermédio de expressões simbólicas gerais. A álgebra surgiu a partir da aritmética, no estágio inicial de evolução da matemática, provavelmente na Babilônia, quando foram criadas as equações e os métodos para reduzi-las. No século XVI, várias iniciativas se tomaram no sentido de simplificar a representação de fórmulas algébricas, mas atribui-se a François Viète a primeira sistematização de uma linguagem de sinais algébricos.

Em 1591, no livro Isagoge in artem analyticam (Introdução à arte analítica), Viète empregou vogais para denotar incógnitas, e consoantes para as grandezas constantes. As potências de um número A eram assim escritas: Aq (quadrado), Ac (cubo) e Aqq (duplo quadrado). Foi Descartes quem primeiro usou as letras x, y e z para as incógnitas, e a, b e c para as constantes, e quem empregou expoentes em potências. A solução de sistemas de equações lineares por meio de matrizes e determinantes parece ter sido idéia de Leibniz, mas o primeiro tratamento sistemático da teoria dos determinantes deve-se a Alexandre-Théophile Vandermonde, em 1771, e Pierre-Simon Laplace, em 1772.

Melancolia I é uma gravura de 1514 pelo mestre Albrecht Dürer. Diversas referências são feitas ao conhecimento matemático, como um “quadrado mágico” 4 × 4, com as duas células centrais da linha inferior mostrando a data da gravura, 1514, um romboedro com um crânio humano sobre ele. Aparecem também uma bússola, uma régua e uma ampulheta.

A Geometria é a mais antiga disciplina matemática, se ocupando do estudo das propriedades do espaço. Na Babilônia, a geometria se dedicou preferentemente à resolução dos problemas de triângulos retângulos. Os estudos babilônicos influenciaram os geômetras gregos, que tiveram nos Elementos de Euclides a melhor expressão de suas teorias. A geometria de Euclides se baseou no estudo do volume das figuras geométricas de revolução (esferas, cilindros, cones) e das regras de paralelismo e proporcionalidade.

Boole

Com o emprego dos métodos analíticos de Descartes na geometria, a partir do século XVII, as expressões geométricas passaram a ser traduzidas em expressões algébricas. O século XIX assistiu ao surgimento de geometrias não euclidianas, como as de Lobatchevski e de Bolyai, baseadas em premissas de não proporcionalidade, espaços curvilíneos, distorção de distâncias etc. A geometria euclidiana, por essa razão, costuma ser denominada geometria plana, para distingui-la das geometrias parabólicas e hiperbólicas que se aproximam mais da concepção moderna do mundo e do espaço. A topologia, ramo mais novo e mais sofisticado da geometria, se encarrega do estudo das propriedades de figuras geométricas que subsistem a deformações contínuas.

Cantor

A Análise Matemática consiste em um conjunto de processos e teorias gerais que incluem a teoria dos números e dos conjuntos, a teoria das funções, o estudo das equações diferenciais e integrais, o cálculo das variações, a teoria das séries e integrais de Fourier e os aspectos puramente algébricos da teoria do potencial, da probabilidade e da estatística, entre outros. Entre as principais disciplinas da análise está a teoria das séries – que analisa as sucessões de números reais e complexos – e o cálculo diferencial e integral. O progresso da análise deu origem a novos campos da matemática, como a análise harmônica, a tensorial e a combinatória, que levou ao cálculo das probabilidades.

Os estudos dos matemáticos George Boole e Georg Cantor conduziram a uma nova interpretação da matemática, baseada nas relações lógicas e na noção de conjunto ou coleção de termos que mantêm uma relação qualquer entre si. Essa disciplina deu origem à matemática moderna e determinou a formação de toda uma série de termos singulares, tais como aplicações, correspondências, relações, que não tinham sido empregados antes em matemática.

Pierre de Fermat

O cálculo das probabilidades surgiu de estudos sobre os jogos de azar realizados, no século XVII, por Pascal, Fermat, Huygens e Jakob Bernoulli. Em 1662, John Graunt analisou estatisticamente a mortalidade humana e, em 1693, Edmund Halley mostrou como calcular anuidades de seguros de vida a partir de quadros de mortalidade. No século seguinte, a teoria dos erros de Laplace, Legendre e Gauss forneceu recursos para empregar a estatística nas finanças públicas, na saúde pública e em outros campos. No século XX, com a evolução da física quântica, a estatística passou a ser um instrumento de inestimável valor para a teoria atômica. Em meados do século, a visão determinista da natureza começou a ser substituída por uma visão probabilística. A influência progressiva da informática na vida cotidiana tende a aumentar a importância prática das teorias de probabilidade e estatística.

Quatérnions

Rowan Hamilton

Quatérnions são entidades relacionadas de perto com os números complexos. Argand, além de apresentar o conceito da representação geométrica dos complexos, tentou, sem sucesso, extender seu método a espaços com mais de duas dimensões. Coube a William Rowan Hamilton na Irlanda em 1843 a descoberta dos quatérnions, uma extensão dos conceitos de Argand. Um quatérnion é uma extensão não-comutativa dos complexos, obtida ao se acrescentar ao conjunto dos reais os elementos \(i, j, k\) satisfazendo as relações
$$i^1=j^2=k^2=ijk=-1.$$
Estes elementos são multiplicados da seguinte forma
$$ij=k,\, jk=i,\, jk=i,\, ki=j,\, ji=−k,\, kj=−i\, \text{e}\, ik=−j,$$

e cada quatérnion sendo a a combinação linear real dos quatérnions unitários 1,i,j e k, i.e., pode ser escrito como \(a+bi+cj+dk\). A adição é feita como nos complexos, pela adição dos termos correspondentes. Como espaço vetorial sobre os reais os quatérnions tem dimensão 4, enquanto os complexos tem dimensão 2.

A descoberta foi recebida com incredulidade no início, principalmente devido à necessidade da introdução de uma álgebra não comutativa. Entre o público leigo da época houve uma certa comoção pois o abandono de uma lei simples da álgebra, como a comutatividade, parecia minar os fundamentos da matemática e do conhecimento científico como um todo. Apenas dez anos mais tarde Hamilton publicou seu texto Lectures on Quarternions, seguido em 1866 por Elements of Quaternions.

No mesmo ano da publicação inicial de Hamilton, Grassmann apresentou seu trabalho que continha muito em comum com a teoria dos quatérnions. Hermann Günther Grassmann (1809 – 1877) foi um matemático e físico com amplos interesses que, no entanto, teve dificuldades para ver consagrados os seus esforços. Seu livro, Geometrische Analyse, foi apresentado como único candidato a um prêmio oferecido para quem elaborasse um sistema de cálculo geométrico independente de coordenadas, tendo sido considerado vencedor em 1846. A contribuição de Grassman é uma das grandes responsáveis pelo formalismo moderno independente de coordenadas utilizado na Geometria Riemanniana.

Grassmann submeteu sua tese de doutorado em 1862, que deveria ser analisada por Ferdinand Moëbius. Este, no entanto, não se julgou habilitado para fazer o julgamento, repassando o documento para Ernst Kummer que rejeitou a tese sem ter feito uma análise mais profunda. Grassmann recebeu o título de professor de nível médio, tendo permanecido no ensino por algum tempo. Mais tarde, desapontado com a difuldade de aceitação de suas idéias se voltou para o estudo da linguistíca, tendo feito importantes contribuições na área e recebendo o título honorário de doutor pela University of Tübingen em 1876. A álgebra de Grassmann é introduzida sobre elementos de um espaço vetorial \(V\) com a adoção de uma operação totalmente anticomutativa representado pelo símbolo \(\land\), o produto exterior, satisfazendo
$$ u\land u = 0 \quad \forall u \in V, $$
$$ u\land v = -v \land u, \quad \forall u, v \in V. $$
O produto exterior é uma generalização do produto vetorial definido sobre vetores do \(\Bbb R ^3\).

Teoria dos números

(9) As formas quadráticas, por exemplo, são polinomiais em várias variáveis.

A Teoria dos números, tópico favorito na Grécia antiga, viu seu renascimento nos séculos XVI e XVII, em especial através dos trabalhos de Viète e Fermat. Mais tarde Euler e Lagrange contribuiram para seu aperfeiçoamento e, finalmente, Legendre (1798) e Gauss (1801) colocaram a disciplina em sua forma moderna. Ela está dirigida para o estudo dos inteiros, em particular dos primos, das congruências, dos resíduos, da lei de reciprocidade e das formas9, e no estudo dos números complexos. A teoria dos primos atraiu a atenção de diversos pesquisadores durante o século XIX, embora a maioria dos resultados iniciais tenham sido de caracter particular e não geral. Tchébichef (1850) foi o primeiro a fornecer resultados importantes sobre o número de primos existentes dentro de determinado intervalo. Um pouco mais tarde Riemann (1859) obteve uma fórmula para o limite dos primos menores ou iguais a um certo inteiro.

Leonhard Euler

Gauss foi o responsável pela introdução da Teoria das Congruências. Ele foi o primeiro a usar a notação \(a\equiv b\pmod m\) para representar \(m \mid (a−b)\) e explorar a maior parte deste assunto. Legendre foi outro importante estudioso do campo, tendo feito uma compilação completa do trabalho de seus predecessores e propondo a teorema da lei da reciprocidade dos resíduos quadráticos e provando sua validade para alguns casos especiais. Sem conhecer estes trabalhos, em 1875 Gauss redescobriu e demonstrou o teorema para o caso geral. Mais tarde a teoria foi extendida pelo próprio Gauss e por Jacobi, para incluir a reciprocidade cúbica e biquadrática.

Também a Gauss se deve a representação de números por meio de formas binárias quadráticas. Cauchy, Poinsot (1845), Lebesque (1859, 1868) e Hermite fizeram novas contribuições a este tópico. Eisenstein e Smith trabalharam sobre a teoria das formas ternárias e sobras formas em geral. Eles também se dedicaram à representação de números como somas de quadrados de 4, 5, 6, 7 e 8.

O último teorema de Fermat foi provado em outubro de 1996 pelo matemático inglês Andrew Wiles.

Na Alemanha um dos estudiosos mais dedicados à teoria dos números foi Dirichlet, o primeiro a ensinar este tema em uma universidade daquele país. Euler e Legendre já haviam trabalhado sobre o teorema de Fermat mostrando que não existem trios de inteiros satisfazendo \(x^n + y^n = z^n\) para n = 3, 4. Dirichlet mostrou que, para qualquer \(x,y,z\) e \(a\) inteiros vale \(x^5+y^5 \neq az^5\). Outros autores importantes na Alemanha foram Kronecker, Kummer, Schering, Bachmann e Dedekind. Na França as contribuições principais partiram de Borel, Poincaré, Tannery e Stieltjes.

Números Irracionais e Transcendentes

A plena aceitação dos números negativos só se deu durante o século XVI. No século XVII se desenvolveu a notação utilizada hoje para representação das frações decimais. Mais tarde, já no século XVIII, os números imaginários se estabeleceram como ferramentas importantes, principalmente através do trabalho de De Moivre e Euler. Restou para os matemáticos do século XIX o aperfeiçoamento da teoria dos números e funções complexas e a discriminação dos irracionais, demonstrando que eles se separam entre números algébricos e transcendentes. Vale notar que o estudo dos irracionais permanecia em estado praticamente de suspenção desde a época de Euclides. Durante o ano de 1872 foram publicadas as teorias de Weierstrass, Heine, Cantor e Dedekind. Weierstrass, Cantor e Heine usaram as séries infinitas como base de sua teoria, enquanto Dedekind introduziu o conceito de corte no sistema dos números reais, separando os irracionais em dois grupos com características próprias.

(10) Pode ser colocado em relação biunívoca com os naturais.
(11) O conceito de ordens do infinito foi estabelecido por Cantor.
(12) A função \(\Gamma (x)\) é definida através da expressão:
$$\Gamma (x) = \int_0^\infty t^{x-1} e^{-t}dt, x \gt 0.$$
Ela generaliza o conceito de fatorial uma vez que \(\Gamma (n+1) = n!\), para \(n\) inteiro.

Um número irracional é algébrico se for a solução de uma equação polinomial na forma de
$$a_n x^n + a_{n-1} x^{n-1} + \cdots + a_0 = 0,$$
onde \(n \ge 1\) e os coeficientes \(a_i\) são inteiros ou racionais, não todos nulos. Caso contrário, se o irracional não for solução de nenhum polinômio desta forma, ele é transcendental. O conjunto dos números algébricos é numerável10, enquanto o conjunto dos reais é inumerável. Isto implica em que os trancendentais são também inumeráveis e, embora existam inifinitos algébricos existe uma quantidade ainda maior11 de transcendentais. Não existem critérios definitivos para se mostrar que um número é transcendente, o que pode ser uma tarefa bastante difícil de realizar. Alguns exemplos já demonstrados de números transcendentais são: \(e, ea\), se \(a\) é algébrico não nulo, \(\pi, e\pi, 2\sqrt 2, sen(1) ln(b) \), se \(b\) é positivo, racional e diferente de 1, \(\Gamma (\frac{1}{3})\) e \(\Gamma (\frac{1}{4})\) (nota 12).

O primeiro a perceber a existência dos números irracionais transcentes foi Kronecker. Lambert provou em 1761 que \(\pi\) não é racional e que \(e^n\) é irracional se \(n\) é racional. Sua demonstração, no entanto, não foi considerada completa. Legendre (1794) completou a demonstração mostrando que \(\pi\) não é o quadrado de um racional. Mais tarde Liouville (1844, 1851) mostrou a existência de números transcendentes e uma demonstração completa foi apresentada por Cantor em 1873. Hermite (1873) provou primeiro que \(e\) é transcendente e Lindemann (1882), partindo do trabalho de Hermite, mostrou o mesmo para o número \(\pi\). As provas de Lindemann foram bastante simplificadas por Weierstrass (1885) e Hilbert (1893), e mais tarde apresentadas de forma bastante elementar por Hurwitz e Gordan.

A descoberta dos números transcendentais permitiu a solução de vários problemas antigos na geometria, em especial de que a quadratura do círculo é impossível por meio exclusivo de régua e compasso, porque \(\pi\) é transcendental.

Teoria das Equações

A Teoria as Equações se dedica à localização de raízes, exatas ou por meio de aproximações. Já no século XVII Budan e Fourier fizeram contribuições neste campo, mas os métodos envolvidos eram excessivamente trabalhosos. Em 1829 Sturm comunicou à Academia Francesa seu famoso teorema que representa uma das descobertas mais brilhantes da análise algébrica.

A localização aproximada de raízes pode ser efetuada por vários métodos. Newton elaborou um método mais tarde aperfeiçoado por Fourier. Horner desenvolveu o método comumente usado até hoje para raízes reais, enquanto o tratamento de raízes complexas permanece não completamente desenvolvido.

O Teorema Fundamental, afirmando que toda equação numérica tem uma raíz, foi usada por algum tempo antes que sua demonstração fosse dada, primeiro por D’Alembert (1746), depois por Lagrange (1772), Laplace (1795), Gauss (1799) e Argand (1806). A afirmação geral de que cada equação algébrica de grau \(n\) tem exatamente \(n\) raízes decorre da proposição de Cauchy (1831) sobre o número de raízes dentro de um contorno dado. Também existem provas encontradas por Gauss, Serret, Clifford (1876) e outros.

Gauss percebeu a impossibilidade de se encontrar uma expressão para as raízes de equações algébricas com grau maior que 4, uma percepção que se fortaleceu com o fracasso do método de Legendre para estes casos. A primeira prova completa deste teorema, no entanto, só foi obtida por Abel (1802–1829), um matemático norueguês que, embora tendo morrido de tuberculose muito jovem foi considerado um dos maiores matemáticos de seu século. Os grupos comutativos recebem também o nome de grupos abelianos em sua homenagem.

A Teoria Moderna das Equações é basicamente devida a Abel e Galois. Evariste Galois foi um matemático francês que, já aos 17 anos, desenvolveu conceitos originais no campo da álgebra, da teoria dos números e teoria dos grupos. Galois foi o primeiro a usar a palavra grupos para representar as permutações possíveis sobre um conjunto de elementos. Galois escreveu um documento sobre a teoria das equações mas nunca conseguiu publicá-lo em vida. Sua argumentação parecia insuficiente para os demais matemáticos da época, tais como Cauchy e Poisson. Hoje a teoria de Galois representa um dos ramos principais de estudo da Álgebra Abstrata.

Niels Henrik Abel

Galois era um republicano fervoroso e se viu envolto em diversos problemas por causa disto, o que leva alguns historiadores a concluir que sua morte em um duelo pode ter sido planejada por motivos políticos. Na noite anterior ao duelo, supostamente travado em defesa da honra de uma mulher, ele foi convencido de que tinha poucas chances de sobrevivência e passou toda a noite escrevendo cartas para amigos republicanos, buscando transferir seus conhecimentos e idéias sobre a matemática. No último dos artigos ele delineia os princípios mais importantes sobre um tema no qual vinha trabalhando e anexa cópias de artigos submetidos e não aprovados. Durante o duelo ele foi atingido no estômago, morrendo no dia seguinte.

As tentativas fracassadas para se resolver equações do quinto grau por meio de radicais levou os matemáticos a procurar outras formas de expressão destas soluções. Em 1858 Hermite mostrou a possibilidade de se obter uma solução usando funções elípticas. Kronecker, Klein e vários outros fizeram contribuições para a obtenção de soluções por meio de funções hiper-elípticas.

Equações binomial, aquelas que podem ser reduzidas à forma \(x^n -1 = 0\), admitem pronta solução através do uso dos complexos. As raízes enésimas da unidade são
$$ z_n = \cos \frac{2k\pi}{n} + i \sin \frac{2k\pi}{n}, k =0, 1, \ldots, n-1,$$
n raízes distintas, uniformemente distribuídas sobre o círculo unitário \(|z|=1\). Coube a Gauss, no entanto, mostrar que uma solução algébrica é possível. Lagrange (1808) extendeu a teoria e explorou suas aplicações à geometria, sendo esta uma das principais contribuições do sécula XVII para a matemática. Abel generalizou os resultados obtidos por Gauss para o tratamento das chamadas equações binomiais, do tipo \(\sum_{0}^{n-1} x^m = 0\).

Algumas equações especiais, importante para o estudo da geometria, foram tratadas por Hesse, Steiner, Cayley, Clebsch e Kummer. São equações do nono grau determinando os pontos de inflexão de uma curva do terceiro grau, além da determinação dos pontos destas curvas que podem ter contato de quinta ordem com cônicas. Funções que exibem simetrias sob permutações de algumas ou todas as suas raízes são particularmente importantes na teoria moderna e as descobertas de Galois certamente revelaram a importância destas simetrias.

Equações Diferenciais

A Teoria das Equações Diferenciais foi considerada por Sophus Lie como a parte mais importante da matemática moderna. Elas são equações que envolvem uma função desconhecida de uma ou mais variáveis, e suas derivadas. Para uma função real de uma única variável, \(y = y(x)\), podemos expressar estas equações em forma geral como \(F\left(x, y, y’, y”, y^{(n)}\right) = 0\) onde usamos a linha para expressar a derivação. As equações que envolvem derivadas em apenas uma variável são chamadas equações diferenciais ordinárias. Caso contrário, equações que envolvem derivadas em mais de uma variável são chamadas de equações diferenciais parciais. Um exemplo de equação parcial é a equação de onda


$$\frac{\partial ^2 \phi(x,t)}{\partial x^2} = \frac{1}{c^2} \frac{\partial ^2 \phi(x,t)}{\partial t^2} $$
onde \(c\) é uma constante que surge da integração da equação. Pode-se mostrar que \(c\) é a velocidade de propagação da onda. A ordem de uma equação diferencial é igual a derivada de maior ordem que nela aparece.

As aplicações desta disciplina na geometria, física e astronomia, especialmente as equações diferenciais parciais lineares com coeficientes constantes, sempre foram percebidas, desde Newton e Leibniz. Como resultado muitos matemáticos trabalharam nelas, passando pelos irmãos Bernoulli, Riccati, Clairaut, d’Alembert e Euler. O primeiro método geral de solução das equações diferenciais ordinárias lineares com coeficientes constantes é devido a Euler. Ele mostrou que a equação linear
$$a_2 y” + a_1 y’ + a_0 y =0$$
pode ser resolvida através da substituição \(y = \exp^{rx}\), o que reduz a que reduz a equação acima a uma outra apenas algébrica, a chamada equação característica
$$F(r)=a_2 r^2 + a_1 r + a_0 =0.$$

Sophus Lie

O estudo das equações diferenciais parciais se iniciou com Lagrange (1779 a 1785). Também Monge (1809) estudou equações ordinárias e parciais de primeira e segunda ordem aplicando-as à geometria. Pfaff (1814, 1815) foi o responsável pelo primeiro método de solução de equações parciais de primeira ordem, método que foi logo reconhecido e estudado por Gauss (1815). Um pouco depois Cauchy (1819) encontrou um método mais simples, usando a equação característica de Monge. Também a ele se deve a afirmação de que toda equação diferencial define uma função que pode ser expressa por meio de uma série convergente, o que foi mais tarde demonstrado por Briot, Bouquet e Picard (1891).

(13) O trabalho mais importante de Frobenius foi, no entanto, associado ao desenvolvimento da teoria de grupos.
(14) Isto é, com a mesma forma.
(15) A transformada de Laplace de uma função \(f(t)\) é definida como
$$L\{f(t)\} = \int_0 ^\infty (t) \exp ^{-st}dt.$$

A teoria das equações parcias de ordem superiores, introduzida por Laplace e Monge, recebeu de Ampère (1840) contribuições importantes. A solução de equações diferencias nas proximidades de um ponto singular foi elaborada por Frobenius13. Em torno de 1870 Sophus Lie apresentou seus resultados sobre equações de primeira ordem, estabalecendo uma fundamentação sólida para a teoria. Lie mostrou que os grupos contínuos formados pelas transformações de coordenadas que deixam uma equação invariante14 servem para a classificação destas equações e que equações que admitem as mesmas transformações apresentam as mesmas dificuldades de solução.

Uma contribuição importante para o estudo das equações diferenciais, apsear de não imediatamente reconhecida pela comunidade dos matemáticos devido a sua falta de rigor, foi feita por Oliver Heaviside. Heaviside estudou a teoria eletromagnética de Maxwell aletrando seu formalismo original baseado em quatérnios, para a terminologia moderna do cálculo vetorial. desde forma ele pode reduzir as vinte equações originais, com vinte incógnitas, para as quatro equações vetoriais que hoje estudamos. Entre 1880 e 1887 ele desenvolveu o cálculo operacional e o uso da transformada de Laplace15 para reduzir equações diferenciais a equações algébricas de solução muito mais simples. Como vantagem adicional seu formalismo permite o tratamento de sistemas com entradas descontínuas e é extensamente usado na engenharia, especialmente na eletrônica e no tratamento de sinais. Contra seus críticos Heaviside argumentava que a ausência de uma fundamentação formal rigorosa não deveria impedir o uso e o desenvolvimento de um teoria.

As equações lineares são, de longe, melhor conhecidas e bem estudadas que as não lineares. No entanto muitos fenônenos naturais importantes são descritos por equações não lineares. As equações diferenciais não lineares representam uma área de pesquisa aberta em matemática e muitos resultados interessantes têm sido obtidos na atualidade. Em particular a pesquisa moderna se volta para a consideração dos sistemas de equações diferenciais não lineares, que podem exibir comportamentos surpreendentes. Uma de suas características importantes consiste na dependência muito sensível das condições iniciais propostas, o que gera comportamentos às vezes imprevisíveis que têm sido denominados de caos. Um exemplo é o do sistema de Lorenz, composto por três equações acopladas

$$x′=a(y−x);\quad y′=x(b−z)−y;\quad z′=xy−cz$$

onde as variáveis x, y e z deveriam representar originalmente características atmosféricas e a = 10, b = 28,c = 8/3, proposto como uma modelagem para condições meteorológicas.

(16) O movimento de dois corpos pode ser resolvido de forma exata. Equações que envolve mais de dois corpos não tem solução analítica.

Outro exemplo importante de sistema não linear é o sistema de equações que descreve o movimento de muitos corpos16, por exemplo na descrição do movimento planetário no sistema solar. Um dos matemáticos importantes a trabalhar no problema foi Henry Poincaré (1854 – 1912), também físico e filósofo da ciência. Em seu trabalho sobre o problema de 3 corpos ele foi a primeira pessoa a descobrir o comportamento caótico das soluções. Em 1885 Oscar II, rei da Suécia, anunciou uma competição matemática com um prêmio em dinheiro para quem demonstrasse a estabilidade do sistema solar. Poincaré apresentou uma solução que ele considerava correta e recebeu o prêmio. Mais tarde um erro foi descoberto mas o prêmio foi mantido. Poincaré havia mostrado que pequenas perturbações ou variações das condições iniciais poderia se proagar gerando grandes diferenças na previsão das órbitas no futuro. Nas palavras de Karl Weierstrass, “embora seu trabalho não possa ser considerado como solução completa do problema proposto ele é de tamanha importância que sua publicação vai inaugurar uma nova era na história da mecânica celeste”.

Henri Poincare

O estudos das equações e sistemas não lineares, de fato, representa uma mudança profunda, não apenas para a mecânica celeste mas para o entendimento da natureza em geral. A maioria dos fenômenos naturais exibem comportamentos não lineares, tais como o fluxo rápido da água de uma correnteza ou a troca de calor entre partes de um organismo vivo. Devido às dificuldades deste estudo até recentemente tudo o que se podia fazer era estudar os casos lineares ou aproximações lineares de sistemas caóticos. É de se esperar, portanto, que o grande esforço que vem sendo feito nesta área frutifique em praticamente todas as áreas de aplicação.

Teoria de Grupos

Um conceito extremamente importante desenvolvido na matemática moderna, em especial como conseqüência do trabalho de Galois é o de grupos. Um grupo é um conjunto \(G\) dotado de uma operação \(\cdot\) satisfazendo as seguintes propriedades:

  1. Se \(x, y \in G \Rightarrow x \cdot y \in G \) (fechamento)
  2. Se \(x, y, z \in G \Rightarrow x \cdot (y \cdot z) = (x \cdot y) \cdot z \) (associatividade)
  3. Existe um elemento \(e \in G\) tal que \( e \cdot x = x \cdot e = x \) (existência da identidade)
  4. Para cada elemento \(x \in G\) existe um elemento \( u \in G \text{satisfazendo } x \cdot u = u \cdot x = e \) (existência do inverso)
Evariste Galois

Historicamente a teoria dos grupos se deriva de três frentes de estudo: a teoria das equações algébricas, a teoria dos números e a geometria. Euler, Gauss, Lagrange, Abel e Galois foram os principais pesquisadores envolvidos com sua elaboração. A procura de raízes para equações de grau \(n\) foi um dos precursores desta teoria, sendo que alguns casos mais simples já haviam sido tratados desde a época de Hudde, no século XV. A elaboração da teoria abstrata dos grupos foi um processo lento. Galois definiu um grupo em 1832 mas suas idéias foram recebidas com relutância pela comunidade acadêmica e seu artigo só foi publicado em 1846 por Liouville. Galois usou amplamente o conceito de grupos em seus artigos mas não forneceu uma definição formal, o que de certa forma explica a dificuldade que Poisson e outros tiveram para aceitar os novos conceitos.

Em 1845, antes da publicação dos artigos de Galois por Liouville, Cauchy apresentou uma definição. Ele tratou das substituições que podem ser aplicadas sobre \(n\) letras \(x_1, \ldots, x_n\), e definiu as permutações como operações que podem ser obtidas por meio de um número finito destas substituições, em qualquer ordem. Ao conjunto de todas as permutações ele denominou “sistema conjugado de substituições” e, por algum tempo esta denominação foi usada juntamente com a expressão grupo. Em 1863 Jordan escreveu um comentário sobre a obra deixada por Galois, utilizando a palavra grupo, que se tornou padrão desde então.

(17) Hoje existe controvérsia sobre a necessidade deste axioma pois, segundo alguns autores, o fechamento é uma consequência da definição de uma operação binária.

Não existe concordância completa entre os historiadores sobre quanta influência Cauchy recebeu de Galois. Sabe-se que Cauchy leu os artigos submetidos à Academia e, embora não os tendo compreendido ou aceitado plenamente e, não havendo ali uma definição explicíta de grupos, ele deve ter sido por eles influenciado. Ambos os autores definiram grupos em termos de suas propriedades de fechamento18, enquanto que os axiomas da associatividade, existência da identidade e da inversa não apareciam. Ambos tratavam de permutações onde apenas é fechamento é suficiente para a definição de grupo. Por outro lado Cauchy também havia mantido correspondência e lido artigos de Ruffini onde o conceito de grupos aparece claramente, embora não explicitamente definido.

A primeiro matemático a apresentar uma definição formal e abstrata de grupos foi Cayley, em artigos escritos entre 1854 e 1878. No primeiro deles ele apresenta a definição em termos do símbolo \(\Theta\) que opera sobre os elementos \(x, y, \ldots \), resultando em
$$ \Theta(x, y, \ldots) = (x’, y’, \ldots),$$

onde \((x’, y’, \ldots)\) são funcões quaisquer de \((x, y, \ldots)\). Em seguida ele define a operação \(1\), que deixa os elementos inalterados, e a operação resultado da operação primeiro por depois por Cayley também faz a exigência de que a associatividade seja respeitada, e ainda observa que não é necessário que sejam iguais as operações e Ele não foi totalmente bem sucedido em sua tentativa porque a associatividade vale sempre para operadores, assim como para permutações, e não é claro que as funções de permanecerão como membros do sistema original. Em 1878 Cayley escreveu que “um grupo é definido pela lei de composição de seus membros”, conceito adotado por Burnside e outros, que aperfeiçoaram a definição até sua apresentação moderna. É interessante notar que nem Cayley nem Burnside exigiram que seus grupos fossem finitos.
Em 1870 Kronecker forneceu uma definição de grupo em um contexto totalmente diferente, no contexto da teoria dos números algébricos. Outros matemáticos a contribuir com o desenvolvimento da teoria foram Weber, Burnside, Kronecker e Schur, entre outros.

O estudo dos grupos contínuos, hoje conhecidos como grupos de Lie, foi iniciado de forma sistemática em 1884 por Sophus Lie, seguido pelos trabalhos de Killing, Study, Schur e Maurer. Marius Sophus Lie (1842 – 1899) foi um matemático norueguês que trabalhou sobre a teoria das simetrias contínuas e aplicou este conceito ao estudo das estruturas geométricas e das equações diferenciais. Sua principal realização foi a descoberta dos grupos de transformação contínuos, hoje chamados grupos de Lie.

Um grupo de Lie é uma variedade cujos elementos são também elementos de um grupo sob as operações definidas sobre o conjunto. Grupos de Lie são importantes na análise matemática, na geometria e na física sendo a ferramenta básica para a descrição de estruturas analíticas e suas simetrias.

Emmy Noether

Os grupos discretos receberam contribuições de Felix Klein, Lie, Poincaré e Piccard. Outros matemáticos importantes na área foram Emil Artin, Emmy Noether, Sylow e vários outros. A teoria de grupos é utilizada praticamente em todas as áreas da matemática, representando um conceito com grande poder de simplificação e unificação de conceitos aparentemente disjuntos. Além disto ela tem aplicações importantes na física e nas diversas outras áreas da ciência, muitas vezes para representar as simetrias exibidas nos sistemas estudados, na forma de grupos. Uma simetria interna qualquer de uma estrutura está em geral associada a uma propriedade invariante sob alguma transformação e o conjunto de todas as transformações que deixam esta estrutura invariante, juntamente com a composição de transformações, forma um grupo. Na mecânica e na teoria de campos, por exemplo, pode-se mostrar que um sistema invariante por translações espaciais apresenta conservação do momento linear, a invariância por rotações implica na conservação do momento angular enquanto a invariância por translações temporais corresponde à conservação da energia total do sistema.

Os grupos também são usados na química e na cristalografia para classificar estrutruras cristalinas, poliedros regulares e simetrias na estrutruras moleculares.

Álgebra Multilinear

A álgebra multilinear é uma extensão dos conceitos e métodos da álgebra linear. Assim como a álgebra linear generaliza a noção de um vetor do \(\Bbb R^3\) para espaços vetoriais mais gerais e abstratos, a álgebra multilinear estende o conceito de tensor para a teoria dos espaços tensoriais. Um tensor é uma aplicação \(\phi\) linear em qualquer uma de suas entradas, ou seja:
$$\phi(\alpha x + \beta y, z, \ldots) = \alpha \phi(x, z, \ldots) + \beta \phi(y, z, \ldots),$$

sendo esta operação válida para todas as entradas da transformação. Tipos diversos de tensores surgem nas aplicações voltadas para a física e a engenharia. Um exemplo de tensor conhecido desde níveis básicos do estudo da matemática é a métrica de Euclides, que representaremos aqui por \(\eta\). Se \(\vec{u}, \vec{v}\) são vetores do espaço então
$$\eta(\vec{u}, \vec{v}) = \vec{u} \cdot \vec{v} \text{, o produto escalar usual.}$$

Lembrando: Dados dois vetores \(\vec{u} = \sum_i a_i \hat e_i, \vec{v} = \sum_i b_i \hat e_i\), em uma base \(\{ \hat e_i \} \) qualquer, o produto escalar é difinido como
$$\vec{u} \cdot \vec{v} = \sum_i a_i b_i.$$

Esta é, claramente uma operação multilinear e simétrica pois \(\eta(\vec{u}, \vec{v}) =\eta(\vec{v}, \vec{u})\).

Naturalmente o mesmo conceito pode ser generalizado para espaços de dimensões maiores, \(\Bbb R^n\) e para outros espaços vetoriais quaisquer.

Albert Einstein, Levi Civita, Felix Klein e Marcel Grosmann

O termo tensor foi criado por William Rowan Hamilton em 1846 para descrever a norma em um tipo de sistemas algébricos, mais tarde conhecidos por Álgebras de Clifford. Woldemar Voigt, em 1899 usou o termo com seu significado atual. A notação de tensores usando coordenadas foi apresentada por Gregorio Ricci-Curbastro em 1890, sob o título de Cálculo Diferencial Absoluto, trabalho que recebeu ampla divulgação por meio do texto clássico de Tullio Levi-Civita, de 1900, com o mesmo título. No século XX o assunto veio a ser chamado de Cálculo ou Análise Tensorial, mais recentemente de Álgebra Multilinear. O tema alcançou sua plena aceitação após seu uso na teoria da Relatividade Geral de Einstein, que é formulada inteiramente na linguagem dos tensores, em particular na formulação geométrica dada por Riemann, que ele aprendeu com seu amigo, o geômetra Marcel Grossmann e com o próprio Levi-Civita.

Em meados do século XX o estudo dos tensores foi reformulado de forma geral e abstrata. Um tratado sobre o assunto produzido pelo grupo Bourbaki teve influência decisiva nesta direção, tendo inclusive cunhado o termo “Álgebra Multilinear”. Esta reformulação se deu sobre a teoria desenvolvida por Hermann Grassmann, a teoria das formas diferenciais e conceitos como o do produto exterior que generaliza o produto vetorial de vetores de \(\Bbb R^n\). Os tensores são usados em diversos outros campos de aplicação, em particular na mecânica do contínuo, na teoria de campos, na teoria da relatividade geral, na geração de imagens usadas para diagnósticos médicos, entre outras.

Geometria não Euclidiana

A Geometria não Euclidiana pode ser vista como resultado das tentativas, feitas desde a época de Proclo, de se provar o quinto postulado de Euclides como conseqüência dos demais postulados. A primeira tentativa feita nesta direção foi feita por Saccheri em 1733, e mais tarde retomado por Lambert em um questionamento da validade do quinto postulado. Muitos outros trabalhos se seguiram até sua florescência nas obras de Lobachevsky e Bolyai. Também Legendre trabalhou sobre este tema, mas foi incapaz de ir além dos conceitos puramente euclidianos.

Durante os últimos anos do século XVIII as doutrinas de Kant sobre o espaço absoluto e a necessidade dos postulados da geometria estavam em voga e foram submetidas a debates e questionamentos. Neste período, Gauss estava estudando o quinto postulado tendo influenciado Lobachevsky através de seu amigo Bartels, e Bolyai por meio de seu pai Wolfgang, um de seus antigos alunos. Por esta razão muitas vezes se afirmou que Gauss deveria ser considerado o fundador da geometria não euclidiana. No entanto, embora tendo realmente contribuído sobre o assunto, Gauss receava a opinião de seus pares e evitou colocar por escrito suas idéias a respeito.

Embora Lobachevsky tenha sido aluno de Bartels em torno de 1807, existem evidências de que ele não discutiu com o mestre o quinto postulado. Além disto suas pesquisas foram iniciadas antes que ele iniciasse sua relação com Bartels. Em 1826 Lobachevsky expôs os fundamentos de sua doutrina das paralelas, baseada na suposição de que mais de uma reta pode ser traçada por um ponto fora de uma reta no mesmo plano sem nunca a interceptar. A teoria foi publicada na totalidade em 1829-30, enquanto Lobachevsky continuou publicando sobre este tema e outros em matemática até a sua morte.

Johann Bolyai recebeu de seu pai, Wolfgang, parte da inspiração para seu trabalho. Aos vinte e um anos ele descobriu, no mesmo tempo que Lobachevsky, os princípios da geometria não euclidiana, e relata este fato em uma carta datada de novembro de 1823. A publicação completa de suas idéias aparece em artigo em 1832. Em comunicações com outros matemáticos, no período de 1831-32, Gauss assegura que havia desenvolvido uma teoria nas mesmas linhas que Lobachevsky e Bolyai, embora não a tenha publicado. Outro matemático, Schweikart, também explorou as possibilidades das geometrias obtidas através da flexibilização do quinto postulado e uma teoria das paralelas (1807), embora também não a tenha publicado.

A hipótese foi admitida gradualmente entre os pesquisadores da matemática. Em torno de 40 anos após sua publicação vários estudiosos trataram deste assunto, entre eles Riemann (1868), Helmholtz (1868), na Alemanha, Beltrami (1872) na Itália e Clifford na Inglaterra. A partir de 1880 a teoria estava amplamente aceita e considerada legítima.

O mais importante dos pesquisadores modernos nesta área foi Riemann. Ele aplicou os métodos da geometria analítica ao estudo da teoria e apresentou a sugestão de uma superfície de curvatura negativa constante, que Beltrami chamou de “pseudo-esfera”. Desta forma ele mostrou que a geometria de Euclides, com sua curvatura nula, é um caso intermediário entre sua pseudo-esfera e as superfícies de Lobachevsky. Enquanto Bolyai descreveu apenas duas geometrias, Riemann notou a existência de três, denominadas por Klein (1871) de geometrias elíptica (Riemann), parabólica (Euclides) e hiperbólica (Lobachevsky).

Variedades

(18) O estudo das variedades (Manifolds em inglês) combina muitas áreas importantes da matemática, generalizando conceitos tais como curvas e superfícies de qualquer dimensão, envolvendo conceitos da álgebra linear e multilinear e da topologia.

Uma variedade18 é um conjunto de objetos que pode ser colocado localmente (i. e., na vizinhança de cada um de seus pontos) em correspondência biunívoca com \(\Bbb R^n\). Elas são espaços matemáticos abstratos que generalizam os conceitos de curvas e superfícies. Curvas planas ou espaciais podem ser localmente aproximadas por segmentos de retas, sendo por isto, variedades de dimensão 1. A superfície da Terra pode ser localmente aproximada por partes de um plano, sendo um exemplo de variedade de dimensão 2. É interessante lembrar que podem ser necessárias mais de uma aplicação (também chamada de parametrização) para cobrir toda a variedade. Se estas apliacações são diferenciáveis a variedade é dita diferenciável. As esferas, por exemplo, necessitam de pelo duas parametrizações para serem totalmente cobertas. Existem variedades que exibem propriedades ou estruturas especiais, tais como as propriedades de um grupo, nas variedades de Lie. As variedades diferenciáveis são espaços onde as operações do cálculo diferencial e integral podem ser utilizadas.

Definição de Variedade

Gauss foi provavelmente o primeiro a considerar espaços abstratos como objetos matemáticos com méritos próprios e dignos de estudo. Seu Teorema Egrégio prova que a curvatura de uma superfície é uma propriedade intrínseca e não depende do espaço ambiente onde está localizada esta superfície, além de fornecer uma técnica para o cálculo destas curvaturas. A teoria das variedades trata das propriedades puramente intrínsecas de superfícies e suas generalizações, ignorando, em geral, o espaço ambiente, embora também seja tema de estudo a busca de espaços ambientes que possam conter os espaços intrínsecos, por meio das chamadas imersões.

As geometrias não-euclidianas estudadas por Saccheri, Lobachevsky, Bolyai e Riemann são casos particulares de variedades com curvaturas constantes nulas, positivas e negativas. Bernhard Riemann foi o primeiro a trabalhar sobre as generalizações de conceito de superfícies para hipersuperfícies de dimensões superiores a 2. Um exemplo de tais hipersuperfícies é a hiperesfera \(S^n\) de raio 1 definida por
$$S^n=\{(x_1, \ldots, x_n) \in R^{n+1}; \vert x_1 + \ldots + x_{n+1} \vert = 1 \}.$$

Definida desta forma a hiperesfera de dimensão \(n\) está naturalmente imersa em \(\Bbb R^{n+1}\).

O termo manifold foi utilizado por Riemann em seu trabalho original, em alemão Mannigfaltigkeit, traduzido por William Clifford como “manifoldness”. A palavra portuguesa variedade se deriva do francês variété, com o mesmo significado, o que mostra a forte influência recebida no Brasil pela escola francesa, em particular derivada dos trabalhos do grupo Bourbaki.

Em sua aula inaugural na Universidade de Göttingen, Riemann descreveu o conjunto de todos os possíveis valores de uma variável dentro de certas restrições, como Mannigfaltigkeit, pois a variável poderia assumir diversos valores. Ele fez uma distinção entre variedades discretas e contínuas, de acordo com os valores discretos ou contínuos assumidos por estas variáveis. Como um exemplo do caso contínuo ele se referiu a cores e posições, além de formas possíveis para um objeto no espaço. Usando indução Riemann construiu “uma variedade estendida \(n\) vezes, ou uma variedade n-dimensional” como um empilhamento de variedades de dimensão \(n-1\). Esta noção intuitiva de Riemann foi formalizada no conceito moderno de variedades.

Também no estudo das variáveis complexas o processo de continuação analítica leva à construção de variedades. Variedades abelianas já eram implicitamente conhecidas na época de Riemann enquanto o tratamento geométrico da mecânica lagrangeana e hamiltoniana também leva à construção natural de variedades. O uso das chamadas coordenadas generalizadas, tais como os ângulos envolvidos em movimentos pendulares e suas derivadas no tempo, levam a variedades de dimensões superiores às dimensões do espaço físico ordinário.

(19) A conjectura de Poincaré: Toda variedade 3-dimensional conexa e fechada (i.e. compacta e sem fronteira) é homeomórfica a uma 3-esfera.
(20) Muitos matemáticos concordam que Grigori Perelman respondeu corretamente esta questão, em 2006.

Henri Poincaré estudou variedades 3-dimensionais e levantou a pergunta hoje conhecida como conjectura de Poincaré19, que tem permanecido em aberto por quase um século, apesar do esforço de muitos matemáticos20. Hermann Weyl forneceu em 1912 a definição intrínseca de variedade diferenciável usada nos dias de hoje. Na década de 1930 Hassler Whitney e outros esclareceram os fundamentos da teoria e a desenvolveram usando os conceitos da geometria diferencial e dos grupos de Lie.

Álgebra

A álgebra pode ser dividida em clássica, que trata da solução de equações ou a procura de incógnitas, e abstrata, algumas vezes chamada de álgebra moderna, que consiste basicamente no estudo da teoria de grupos, anéis e campos. A álgebra clássica passou por um longo desenvolvimento, ao longo de pelo menos 4000 anos, enquanto a parte moderna é recente, tendo aparecido apenas nos últimos 200 anos.

Uma parte significativa da álgebra está associada à teoria dos números e o reconhecimento de novos conjuntos tais como os negativos e zero, os irracionais e os complexos. O desenvolvimento da notação, por sua vez, passou por fases distintas, como o período puramente verbal ou retórico, onde as sentenças e equações eram denotadas por meio de linguagem corrente, sem abreviações, o período sincopado, onde se passou a usar abreviações das palavras, e o período simbólico, em uso até os dias de hoje.

Os egípcios, segundo se depreende dos papiros de Ahmés (descobertos por Rhind), podiam resolver equações lineares com uma incógnita em torno de 1850 a.C.. Os problemas eram apresentados de forma retórica, sendo propostos e resolvidos verbalmente. O Papiro do Cairo (aproximadamente 300 a.C.) indicam a solução de problemas contendo duas incógnitas e duas equações do segundo grau. Compreende-se hoje que a álgebra egípcia ficou prejudicada pelo uso de um método pouco prático para se lidar com as frações.

Na Babilônia, no período de 1800 a 1600 a.C., a matemática se encontrava em estado mais avançado que no Egito. Eles desenvolveram um excelente sistema sexagesimal de numeração, o que permitia facilidade nas operações e o conseqüente desenvolvimento da álgebra e sabiam encontrar soluções para equações quadráticas, embora reconhecessem apenas uma das raízes que deveria ser positiva. Também sabiam lidar com sistemas de duas equações e duas incógnitas e existem evidências de que chegaram a tratar de alguns casos com um número superior de incógnitas e equações de grau maior que dois. Eles utilizam uma forma retórica de notação, como os egípcios, e chegaram a introduzir alguns símbolos como abreviações. Os procedimentos eram ensinados através de exemplos e nenhuma sistematização teórica ou sequer a idéia de demonstrações estava presente. Como os egípcios eles só reconheciam a existência de números positivos racionais apesar de terem encontrado, em alguns casos, soluções aproximadas para problemas que não admitiam soluções racionais.

O período grego clássico se distinguiu pelo rápido progresso na geometria. Os gregos não reconheciam a existência dos irracionais e evitavam esta limitação tratando de forma geométrica os problemas algébricos. Identidades algébricas e soluções de equações quadráticas eram expressas e resolvidas de forma gráfica. A grande conquista grega na matemática consistiu no estabelecimento de procedimentos gerais e na justificação de todas as afirmações por meio de demonstrações e raciocínio dedutivo, Apesar disto sua limitação na álgebra fez com que ela tivesse pouca aplicação prática e que seu progresso ficasse retardado por vários séculos.

Em um período posterior ocorreu entre os matemáticos gregos um movimento que os afastou da álgebra puramente geométrica. Este movimento incluiu pensadores tais como Arquimedes, Apolônio, Ptolomeu e Heron, muitos deles professores ou alunos da Escola de Alexandria. Entre eles se destacou o matemático Diofanto, no século III, verdadeiro precursor da moderna teoria dos números. Diofanto foi o primeiro a introduzir uma notação sincopada e parcialmente simbólica na solução dos problemas algébricos apesar de que, depois dele, o estilo retórico tenha permanecido em uso por vários séculos que se seguiram. Para indicar a soma de dois ou mais termos Diofanto simplesmente os escrevia em sucessão, sem qualquer sinal interposto. A subtração era indicada por uma abreviatura da palavra leípsis, que em grego significa “termo negativo” ou “menos”.

Diofanto forneceu soluções para duas ou mais equações contendo várias variáveis e possuindo um número infinito de soluções racionais – o que hoje conhecemos como equações Diofantinas. Seu trabalho despertou o interesse dos matemáticos árabes e através destes, chegou à Europa motivando matemáticos tais como Pierre de Fermat, no século XVII. Diofanto mostrou que a equação \(x^n + y^n = z^n\) admite inifintas soluções inteiras para \(n=2\). Fermat, ao retomar o problema, estabeleceu o famoso “último teorema de Fermat”, segundo o qual a equação não tem soluções inteiras para \(n\gt 2\).

Diofanto não possuía procedimentos gerais, resolvendo cada problema por um método diferente. Ele aceitava apenas raízes positivas e racionais e ignorava a existência das demais. Mesmo no caso de equações quadráticas que possuem duas raízes positivas racionais ele apresentava apenas uma solução e abandonava a segunda.

Os gregos foram sucedidos pelos hindus na história da matemática. A civilização na Índia é muito antiga possuindo registros matemáticos a partir, aproximadamente, de 800 a.C.. A matemática hindu recebeu grande impulso das conquistas gregas e foi fortemente impulsionada pela astronomia e astrologia. Em torno de 600 a.C. eles já possuíam um sistema de numeração decimal, reconhecendo o número zero como quantidade e marcador no sistema posicional. Os hindus introduziram os números negativos para representar débitos. O registro mais antigo de utilização dos negativos se deve a Brahmagupta, no século VII, enquanto Bhaskara, no século XII, reconheceu que um número positivo admite duas raízes quadradas. Bhaskara, que era matemático e astrônomo, escreveu o primeiro estudo empregando o sistema numérico decimal. Ele utilizava letras para designar quantidades desconhecidas e antecipou-se no uso da moderna convenção de sinais matemáticos.

Apesar de incluírem as raízes negativas e irracionais, os hindus não podiam resolver todas as equações do segundo grau por não conhecerem raízes de números negativos. Como sabemos hoje, para encontrar todas as n raízes de uma equação do n-ésimo grau, é necessário conhecer a álgebra dos complexos. No que diz respeito às equações indeterminadas os hindus fizeram avanços que superaram os de Diofante. Aryabhata, no século V obteve soluções inteiras para as equações do tipo \(ax \pm by =c\) usando um método equivalente ao método usado modernamente.

Nos séculos VII e VIII os árabes, unificados pela pregação de Maomé, estenderam suas conquistas desde a Índia, passando pela África e chegando até a Espanha. Em seguida, em um período de grandes progressos até o século XIV, eles se dedicaram às artes e a ciência tendo sido os responsáveis pela maior parte do progresso científico retomado depois pelo ocidente. Além disto foram os guardiões da cultura acumulada no período clássico, que consiste na duração das civilizações grega e romana, enquanto a Europa se encontrava na chamada Idade das Trevas.

Os árabes adotaram e aperfeiçoaram o sistema de numeração hindu, os símbolos e a notação posicional. O chamado sistema indo-arábico assim obtido e os algoritmos utilizados efetuar as operações, ambos em uso até os dias de hoje, foram transmitidos para a Europa em torno do início do século XIII. Da mesma forma que os hindus, os árabes sabiam operar livremente com os números irracionais, apesar de terem rejeitado os números negativos adotando uma atitude retrógrada, neste particular. Os árabes deram grandes contribuições no campo da álgebra, a começar pelo próprio nome. A palavra álgebra deriva do título de um livro, Hisab al-jabr w’al muqabala, traduzido como em geral como “Recuperação e Simplificação” ou “Transposição e Cancelamento”. O texto foi escrito no século IX pelo matemático e astrônomo Mohammed ibn-Musa al-Khowarizmi, nome que deu origem à palavra moderna algoritmo.

A álgebra árabe era inteiramente retórica. Eles sabiam encontrar raízes de equações quadráticas, inclusive irracionais, mas rejeitavam os números negativos. Omar Khayyam, século XI, um poeta e matemático fez contribuições importantes para a solução de equações cúbicas usando métodos geométricos que envolviam as interseções de cônicas.

Com o Renascimento e a recuperação das origens clássicas do século XVI em diante o zero passou a ser aceito como número e os irracionais eram amplamente usados, embora muitos matemáticos receassem que eles não fossem números verdadeiros. Também os negativos eram conhecidos mas não totalmente aceitos. Números complexos não haviam sido sequer imaginados. A aceitação completa dos sistemas numéricos e sua álgebra como hoje utilizados só foi completa no século XIX. O Renascimento marcou a redescoberta e ascensão da álgebra. Grandes avanços na técnica, em particular na solução de equações cúbicas e quárticas foram obtidas no século XVI, em particular com a obra de Cardano publicada em 1545, Ars Magna. Apesar de considerado o maior matemático de seu tempo Cardano ainda utilizava uma notação puramente retórica. Grandes esforços se seguiram para estender estas conquistas para equações polinomiais de grau superior a 4, esforços que não atingiram plenamente sua meta apesar de terem gerado, como efeitos indiretos, boa parte da matemática posterior. Este período assistiu também ao aperfeiçoamento do simbolismo, o que permitiu sistematizar e avançar o conhecimento sobre álgebra.

No que diz respeito ao simbolismo um representante importante foi Viète, um francês que viveu de 1540 até 1603. Ele foi o primeiro a usar letras para representar constantes conhecidas (ou parâmetros). Desta forma foi possível promover o estudo de casos gerais e estabelecer relações entre os coeficientes de um polinômio e suas raízes, na “teoria das equações”. Apesar dos avanços a álgebra de Viète era sincopada e não completamente simbólica, estágio só alcançado com La Géométrie de Descartes, em 1637. Com este trabalho se tornou disponível uma relação frutífera entre a geometria e a álgebra, o que hoje conhecemos como geometria analítica, desenvolvida simultaneamente por Fermat e Descartes.

Até o final do século XVII o uso de notação simbólica se tornou deliberado e generalizado. Surgiu a compreensão de que uma notação consistente e de fácil manipulação era uma ferramenta poderosa para a matemática. No entanto, mesmo nesta época, faltava à álgebra uma fundamentação lógica consistente, algo que se pudesse comparar com a sistematização de Euclides para a geometria.

Durante o século XIX os matemáticos britânicos assumiram a liderança no estudo da álgebra. A atenção se voltou para as diversas “álgebras”, o estudo de objetos matemáticos tais como vetores e matrizes, números complexos e quatérnions e transformações, e das várias operações que podem ser realizadas sobre estes objetos. O objeto de consideração da álgebra, desta forma, se expandiu para o estudo das formas e estruturas algébricas mais amplas e mais genéricas que os estudo dos sistemas números e suas operações. Provavelmente o rompimento mais significativo com o pensamento antigo se deu com o surgimento das álgebras não comutativas que ocorrem, por exemplo, entre as matrizes e os quatérnions estudados por Hamilton em 1843.

O inglês Peacock, (1791-1858) foi o fundador do pensamento axiomático na aritmética e na álgebra. DeMorgan (Inglaterra, 1806-1871) estendeu o trabalho de Peacock para considerar operações definidas com símbolos abstratos, enquanto Hamilton (Irlanda, 1805-1865) demonstrou que os números complexos podem ser expressos como uma álgebra formal, definida sobre pares de números reais. Por exemplo
$$(a,b)+(c,d)=(a+b,c+d);(a,b).(c,d)=(ac−bd,ad+bc).$$

Gibbs (EUA, 1839-1903) desenvolveu uma álgebra sobre vetores no espaço tridimensional e Cayley (Inglaterra, 1821-1895) fez o mesmo usando matrizes (uma álgebra não comutativa).

O conceito de grupo surgiu como conseqüência do trabalho de vários matemáticos. Provavelmente os passos iniciais mais importantes foram dados por Galois (França, 1811-1832). Usando o conceito de grupos Galois pode fornecer uma resposta definitiva para uma longa questão em aberto: que equações polinomiais podem se resolvidas por operações algébricas?

O conceito de corpo foi explicitado no trabalho de Dedekind em 1879. Peano (Itália, 1858-1932) criou um tratamento axiomático dos números naturais em 1889, mostrando que todos os outros conjuntos numéricos podem ser construídos de modo formal a partir do conjunto dos naturais. (“Deus criou os números naturais. Todo o resto é criação do homem.” – Kronecker)

A álgebra abstrata é um campo a matemática moderna ainda em franco desenvolvimento no século XXI, possuindo muitos problemas não resolvidos e extensas possibilidades de interação com outras áreas da matemática e de aplicações. Um exemplo disto é o extenso uso que se faz da teoria de grupos em física, particularmente na teoria de campos e relatividade geral.

Análise

A origem da análise matemática, levando-se em conta seu aspecto fundamentalmente crítico e formal, remonta a pouco mais de cem anos. Desde a invenção do cálculo, por Newton e Leibniz, se detectava a necessidade de se encontrar fundamentação mais sólida para os métodos ali estabelecidos. Os trabalhos pioneiros de Euler, Lagrange, Gauss, Abel e Cauchy marcaram o início da reformulação crítica do conhecimento matemático, caracterizada principalmente pela necessidade de deduções rigorosas do ponto de vista lógico, sem as induções e analogias até então muito comuns. A tendência a procurar formas puramente abstratas, sem apoio nas figuras geométricas ou nos objetos concretos, tornou-se dominante.

A importante noção de continuidade, por exemplo, estava sempre ligada a uma curva ou a uma superfície, e, como tal, mostrava-se bastante particular e vaga; definida em termos puramente algébricos, adquiriu precisão e generalidade, e pôde interpretar uma série de fatos e propriedades aparentemente paradoxais. Por exemplo: uma função unívoca pode ser representada por uma curva; sua derivada em um ponto é representada pela declividade da reta tangente à curva nesse ponto. Admitia-se como evidente que, desde que a função fosse contínua em um ponto, tinha ela uma derivada nesse ponto (porque a curva seria contínua e poder-se-ia traçar a tangente). Em 1854, Riemann descobriu uma função contínua que não tinha derivada em vários pontos. Pouco depois, Weierstrass apresentou uma função contínua que não tinha derivada em nenhum ponto de um determinado intervalo. Cantor e Dedekind, entre outros, descobriram muitas funções que apresentavam aparentes anormalidades. Essas descobertas mostraram que o raciocínio matemático deve libertar-se das intuições geométricas, por extremamente obscuras e complexas. Assim, a atenção dos investigadores que criaram a atual análise matemática voltou-se para a realização de uma completa crítica da estrutura dos princípios fundamentais e dos conceitos primitivos das teorias matemáticas.

Entre os conceitos básicos de toda matemática, um deles mereceu especial atenção: o de número, que vinha experimentando sucessivas ampliações à medida que se procuravam resolver os problemas propostos. Outro conceito que mereceu a atenção dos pesquisadores foi o de ordem, indissoluvelmente ligado ao de número, e que recebia semelhantes extensões. Os conceitos de função, de continuidade, de limite e de convergência, já tratados de maneira menos rigorosa por Euler e Lagrange, foram objeto de definições adequadas e rigorosas por parte de Cauchy (1822). Deve-se também a Cauchy outra importante contribuição à análise matemática: a teoria das funções analíticas, onde ele estendeu às funções de variáveis complexas as propriedades estudadas por Brook Taylor. O estudo das funções elípticas, iniciado por Abel, foi desenvolvido por Jacobi em seu Fundamenta nova theoriae functionum ellipticarum (1829; Novos fundamentos da teoria das funções elípticas).

A teoria dos números, iniciada por Gauss, foi continuada por Dirichlet, que estudou propriedades da sucessão dos números primos, empregando métodos infinitesimais, e introduziu a noção geral de função como correspondência entre dois conjuntos. Dirichlet formulou também o conceito de séries absolutamente convergentes e estabeleceu as condições precisas para que uma função possa ser desenvolvida em séries de Fourier. Outros estudiosos da teoria dos números foram Ernst Kummer e Leopold Kronecker, que desenvolveram as idéias propostas por Galois sobre corpos de números (conjuntos aos quais pertencem números e os resultados das operações que se fazem entre eles), que precederam a teoria dos grupos.

As equações integrais e o cálculo funcional, introduzidos por Vito Volterra e David Hilbert, entre outros, integram o panorama atual da análise matemática. A crescente complexidade do conhecimento matemático exige constante vigilância das estruturas básicas dos novos conceitos, dos novos algoritmos, das extensões dos conceitos antigos e de todas as questões ligadas a esses conceitos e algoritmos.

Também chamada cálculo combinatório, a análise combinatória estuda e conceitua os processos de formação, contagem e propriedade de agrupamentos que podem ser formados com um número finito de elementos dados e de natureza qualquer, segundo determinados critérios. Um agrupamento ou coordenação matemática classifica-se de acordo com a maneira como se reúnem seus elementos. Assim, a coordenação simples é aquela em que os elementos entram uma só vez na formação de cada grupo. Quando o elemento ou elementos entram várias vezes na formação do grupo, temos a coordenação com repetição. As letras \(a, b, c e d\), por exemplo, podem formar agrupamentos simples \((ab, ac, bc, abc, abcd)\) ou com repetição \((abcc, abbd, acdd, bd aac)\), etc. Além disso, dependendo do número de elementos de cada grupo, diz-se que os agrupamentos podem ser unitários \((a, b, c, d)\), binários \((ab, ac, bd)\), etc, terciários \((abc, bcd, bcc)\) e assim por diante. A análise combinatória é utilizada com muita freqüência no estudo do binômio de Newton e dos determinantes, na teoria dos números, no cálculo das probabilidades etc.

As tentativas de solução das equações da física matemática deram origem à chamada análise funcional. Essas equações, classificadas como equações diferenciais ordinárias, equações de derivadas parciais e equações integrais, têm como incógnitas uma função, isto é, seus espaços de soluções são espaços funcionais, conjuntos cujos elementos são funções. Atualmente, a análise funcional linear, ou simplesmente análise funcional, é entendida como a teoria geral dos operadores lineares sobre espaços funcionais. Quando os operadores são não-lineares, obtém-se a denominada análise funcional não-linear, de resultados recentes e esparsos, mas de extrema importância por suas aplicações a problemas de dificílima solução.

Como exemplo característico da utilidade da análise funcional nos diversos setores da matemática aplicada, cita-se a teoria das aproximações, que engloba os resultados mais significativos da análise numérica e que é uma conseqüência direta de teoremas gerais da análise funcional.

Fenômenos periódicos relativamente complicados podem ser estudados por meio de componentes mais simples e do mesmo tipo, denominados harmônicos. A análise harmônica estuda a forma de determinar as características dos harmônicos de modo a representar, da melhor maneira possível, um fenômeno físico original. É aplicada em vários campos distintos do conhecimento humano. No domínio da acústica, por exemplo, pode-se, com o uso de um microfone, transformar vibrações sonoras em ondas elétricas que podem ser vistas na tela de um osciloscópio com a forma de uma curva, que depende da qualidade do som. Devido a sua periodicidade, ela pode ser decomposta em uma freqüência fundamental e seus harmônicos.

No domínio da engenharia eletrônica, vários exemplos importantes podem ser citados. A não-linearidade em um amplificador provoca o aparecimento de harmônicos, que alteram a qualidade do sinal a ser amplificado. O processo de funcionamento dos aparelhos de rádio depende também da existência de harmônicos. No campo da distribuição da energia elétrica, a formação de um terceiro harmônico em transformadores trifásicos (decorrente da não-linearidade do núcleo do transformador) pode provocar aquecimento indesejável. Na engenharia mecânica, pode ser usada em estudo de vibrações mecânicas. Até mesmo na medicina encontram-se exemplos de sua aplicação, tais como os encefalogramas.

No estudo dos métodos para obtenção de soluções quantitativas de problemas formulados matematicamente, de modo a permitir sua utilização prática, usa-se a análise numérica. Ela se aplica também ao estudo da propagação de erros. A análise numérica está associada a atividades ligadas à computação e compreende problemas díspares como a reserva automática de passagens de uma companhia de aviação, a elaboração de balanços e folhas de pagamento, o controle de estoques e a realização de diagnósticos médicos. Com efeito, foi a existência dos computadores digitais – capazes de efetuar, em alguns casos, mais de um milhão de operações aritméticas por segundo – que permitiu que muitos métodos numéricos se tornassem de emprego corrente.

O objetivo final da pesquisa científica é a interpretação e previsão dos fenômenos. Para isso, pode ser usada a análise estatística, cujos modelos matemáticos se baseiam na teoria das probabilidades. A aplicação desses modelos matemáticos a fenômenos estatísticos pode também ter em vista fins puramente descritivos, como, por exemplo, quando se pretende estudar as características de um conjunto de dados extraídos de um universo particular, usualmente denominado população, de forma simples e concisa. Nesse caso, os dados são transcritos para uma tabela estatística e representados graficamente. Finalmente, calculam-se as sínteses numéricas, que são as características descritivas do conjunto estudado (média, desvio padrão etc.).

Na maioria dos casos, porém, o objetivo final da investigação estatística não será de natureza puramente descritiva, como é o caso de dados obtidos de amostras, por meio dos quais se estimam as características da população total. A descrição dos elementos observados na amostra constitui, assim, uma fase preliminar da pesquisa, à qual se segue a aplicação da teoria estatística para fins de análise e previsão.

Fundamentos da Matemática

O estudo dos fundamentos da matemática trata de conceitos matemáticos básicos que não podem ser eles mesmos explicados por recursos matemáticos. Especialmente no século XX, as pesquisas sobre os fundamentos da matemática passaram a incluir uma investigação sobre a natureza das teorias matemáticas e o campo de ação dos métodos por ela empregados.

Uma abordagem frequente para este estudo está baseada sobre o método axiomático, cuja origem, segundo se acredita, se encontra nos Elementos de Euclides, onde há axiomas (verdades evidentes) e postulados (fatos geométricos óbvios, cuja validade pode ser admitida sem discussão). O método axiomático consiste em escolher um conjunto de axiomas como fundamentais e, a partir deles, deduzir proposições chamadas teoremas, que podem ser demonstradas.

Em 1888 e 1889, Richard Dedekind e Giuseppe Peano lançaram as bases para a axiomatização da teoria dos números e, desde então, o método axiomático passou a ser empregado em matemática cada vez com maior freqüência. A teoria dos conjuntos foi axiomatizada pela primeira vez em 1908, e quase todos os ramos receberam tratamento análogo. A moderna matemática mostrou que é possível deduzir todo um corpo doutrinário a partir dos mesmos postulados, sem discutir o significado dos termos empregados. Essa nova atitude partiu principalmente de Moritz Pasch e David Hilbert, que publicou, em 1899, Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da geometria), em que estuda criticamente o sistema axiomático de Euclides.

A criação dos diferentes sistemas de numeração e as constantes extensões experimentadas pelo conceito de número caracterizam outra maneira de elaborar uma teoria matemática. É o método que Hilbert chamou de “método genético”. Seus elementos são gerados ou constituídos numa ordem definida, a partir de uma noção inicial e pela extensão de seu significado a novos campos de definição. A obtenção dos resultados é feita por indução, em várias etapas: (1) comprovação da hipótese para um elemento do conjunto; (2) suposição de que a hipótese é verdadeira para um elemento qualquer do conjunto; e (3) demonstração de que o elemento seguinte ao anterior, segundo uma relação de ordem previamente estabelecida no conjunto, também apresenta a propriedade desejada.

O raciocínio dedutivo, assim como o método axiomático, é empregado para obter propriedades novas a partir de noções triviais, que podem ser tomadas como postulados. Como exemplo disso, utiliza-se a sucessão de números naturais: 1, 2, 3… quando se contam objetos que formam um conjunto. Todos os elementos dessa sucessão são gerados a partir do primeiro elemento, por meio de apenas uma operação fundamental de contagem, que permite passar do objeto anterior para o posterior pelo acréscimo de uma unidade.

A exatidão de uma propriedade pode ser demonstrada pela premissa segundo a qual, se ela for verdadeira para n elementos, também será para n + 1. Basta demonstrar que ela é verdadeira para o primeiro elemento, uma vez que, em função da demonstração anterior, será verdadeira para todos os demais. Esse recurso, chamado “método da indução”, foi apresentado pela primeira vez no século XVI por Francesco Maurolico. Segundo Henri Poincaré, esse é o método por excelência do raciocínio matemático.

Em 1889, Peano apresentou um conjunto de propriedades imediatas que deveriam ser tomadas como postulados e, a partir delas, construiu a teoria axiomática dos números. A noção de número natural surgiu da necessidade de comparar duas coleções de objetos e é conhecida mesmo entre as tribos que vivem em estágios primitivos. As primeiras operações aritméticas evoluíram a partir das comparações entre diferentes conjuntos de objetos.

No início do século XX, surgiram três escolas de pensamento, denominadas logicismo, formalismo e intuicionismo, para solucionar uma crise nos fundamentos da matemática: existia entre os matemáticos um profundo desconhecimento sobre os conceitos básicos e os métodos utilizados para chegar aos resultados em seus estudos.

De acordo com o logicismo, cujo principal representante foi Bertrand Russell, a matemática deriva de um conjunto de princípios lógicos básicos e investiga um domínio de entes abstratos (como pontos, números e conjuntos) que existem independentemente do investigador, de tal forma que qualquer noção matemática pode reduzir-se à idéia de propriedade abstrata. Para os logicistas, é possível deduzir toda a matemática a partir da lógica pura, sem necessidade de empregar conceitos matemáticos específicos, como número ou conjunto.

O formalismo, defendido por David Hilbert, admite que a matemática se compõe de símbolos manipulados independentemente de seu significado, segundo regras definidas para combinação e transformação. Hilbert pretendia mostrar que os processos usuais de demonstração não davam margem a paradoxos e eram concretos e suficientes para erigir toda a matemática a partir de alguns axiomas. Para ele, a consistência da matemática não pode ser posta em dúvida. Seu programa envolve duas etapas: a elaboração de um sistema formal de cujos axiomas se deduz, com regras de inferência explicitamente relacionadas, pelo menos a parte básica da matemática; e a constatação de que o uso de tais regras, aplicadas aos axiomas, não pode levar a contradições.

O intuicionismo, cujo principal teórico foi o holandês Luitzen Brouwer, é uma forma de conceber a matemática como atividade intelectual consistente por si mesma, que lida com construções mentais governadas por leis autoevidentes. Para os intuicionistas, todo ente matemático admissível deve ser construído, ou, pelo menos, a possibilidade de executar a construção num determinado número de passos deve ser provada.

Em 1930, as três escolas conviviam, sem que nenhuma delas se destacasse mais do que as outras. Trinta anos depois, as divergências entre as três correntes, que agora não eram mais as únicas, haviam-se reduzido a uma simples questão de opção. Entre as novas correntes estavam o logicismo pluralista, de H. Mehlberg e Rudolf Carnap; os estudos lógicos de Wittgenstein; a teoria do grupo Nicolas Bourbaki e o formalismo construtivista de Goodstein.

Bibliografia

  • Ávila, Geraldo : Cálculo, Funções de uma Variável (vol. 2) LTC, Rio de Janeiro, 1989.
  • Boyer, Carl: História da Matemática, Edgard Blucher, São Paulo, 1996.
  • Courant, R; Robbins H.: O Que é a Matemática?, Ciência Moderna, Rio de Janeiro 2000.
  • Eves, Howard: Introdução à História da Matemática, Editora Unicamp, Campinas1990.
  • Russel, B.: História do Pensamento Ocidental, Ediouro, Rio de Janeiro, 2001.
  • Smith, D. E.: History of Modern Mathematics, Mathematical Monographs No. 1, Project Gutenberg, 1906.

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