O novo Coronavírus

Número total de casos confirmados da COVID-19

O novo Coronavírus


Em dezembro de 2019 começaram a aparecer nos hospitais de Wuhan, China, os primeiros casos suspeitos de infecção por um novo tipo de vírus. As primeiras pessoas infectadas haviam circulado por um grande mercado especializado em frutos do mar e que também vendia animais vivos, sugerindo que a nova infecção fosse um tipo de coronavírus. O mercado foi rapidamente fechado e as pessoas com os sintomas foram isoladas. Um teste para o diagnóstico específico detectou a presença do novo vírus, então denominado SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2, também chamado de HCoV-19). A doença por ele provocada foi chamada de COVID-19 e 41 pessoas foram diagnosticadas com o vírus, entre elas visitantes e trabalhadores do mercado.

Em 9 de janeiro ocorreu a primeira morte decorrente da epidemia. A Comissão Nacional de Saúde da China confirmou, em 20 de janeiro, que o novo vírus poderia ser transmitido entre seres humanos, quando médicos e enfermeiro começaram a adoecer. Um aumento acentuado de casos ocorreu na China, incluindo pessoas em outras cidades. A preocupação aumentou com a aproximação do Ano Novo chinês, que reúne todos os anos milhares de pessoas em todo o país. Em 23 de janeiro Wuhan foi colocada em quarentena, seguida de cidades em sua vizinhança. Em 24 de janeiro o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado fora da China, na França. A confirmação de casos ocorridos em um prédio de Wuhan levou os pesquisadores suspeitarem de que o vírus possa ter se espalhado pela tubulação de água. O prédio foi evacuado.

Logo no início da epidemia cientistas chineses sequenciaram o genoma do SARS-CoV-2 e disponibilizaram os dados para pesquisadores de todo o mundo. Enquanto isso o CDC (Center for Disease Control) nos EUA verificou que pessoas contaminadas assintomáticas poderiam infectar outras pessoas, o que torna o controle da difusão do vírus mais difícil. Em 11 de março a OMS decretou o estado de pandemia, o que significa que todo os países do planeta estão sujeitos à infecção. Até 18 de abril de 2020 foram confirmados mais de 2 milhões de infectados, com mais de 155 mil mortes em todo o mundo. Esses números devem ser considerados inferiores aos números reais devido à subnotificação, que são casos de infectados e mortos não confirmados ou não registrados oficialmente. Comparado com o surto de SARS (2002-2003), em apenas dois meses o surto da Covid-19 causou um número maior de infecções. O novo vírus parece ter uma taxa de mortalidade bem menor, de 4% comparados com SARS (10%). Mas essa taxa varia muito entre faixas etárias, podendo chegar a ser acima de 15% entre os mais idosos.

A resposta global está sendo rápida para impedir a propagação do vírus. A maior parte dos países adotou medidas fortes para conter o espalhamento da doença. Entre elas está o confinamento das pessoas, a restrição da circulação daqueles que podem ficar em casa. O objetivo do confinamento é o de impedir que muitas pessoas adoeçam simultaneamente, causando colapso do sistema de saúde. Naturalmente o confinamento também traz grandes problemas tais como danos severos à economia dos países. Uma grande recessão é prevista para esse ano de 2020.

Não se conhece tudo sobre o vírus. Existem muitos tipos de coronavírus que usam morcegos e outros animais como hospedeiros. A maior parte deles não consegue transpor a barreira entre espécies para infectar outros animais. Provavelmente uma mutação do vírus permitiu esse espalhamento e dados indicam que a infecção se deu por meio de animais selvagens vendidos no mercado de Wuhan. A doença ataca as vias respiratórias inferiores com sintomas de febre, tosse e dificuldade em respirar. Pneumonia pode surgir em 20% dos casos, com risco para a vida. Acredita-se o vírus se espalhe pelas secreções respiratórias, por exemplo com a tosse ou espirro de um infectado a menos de 2 metros.

O vírus SARS-CoV-2 é um parente próximo do vírus que causou a epidemia em 2002. Ele é o sétimo coronavírus a infectar humanos. Como um vírus novo, significando que sua sequência genética foi elaborada a pouco tempo, não existem medicamentos nem vacinas para combatê-lo. Além disso nosso sistema imunológico não o reconhece e não tem as instruções necessárias para impedir sua proliferação. Tem havido bom sucesso na recuperação dos afetados — o que significa que médicos conseguiram controlar os sintomas da covid-19 por tempo suficiente até o próprio corpo consiga eliminá-lo. Ainda não se sabe se podem ocorrer reinfecções, i.e., se pessoas curadas podem contrair novamente a COVID-19. Existem indicações de que os anticorpos formados durante a primeira infecção podem não durar por muito tempo.

Foram analisadas as agulhas do vírus, projetadas para fora do envelope, que ele usa para se grudar e penetrar nas paredes externas das células humanas e animais. Todas as evidências apontam para uma evolução natural desse vírus, hipótese apoiada pelos dados do genoma SARS-CoV-2 e sua estrutura molecular geral. Esse vírus se assemelha a vírus da mesma família encontrados em morcegos e pangolins.

De onde vieram os SARS-CoV-2s?

Mercado de animais de Wuhan

Com base na análise do sequenciamento genético os pesquisadores concluíram que as origens mais prováveis para o SARS-CoV-2 estão em um dos cenários seguintes:

  • O vírus evoluiu por meio da seleção natural em um hospedeiro não humano e depois saltou para os humanos. Esse mesmo mecanismo deu origem a surtos anteriores de coronavírus quando humanos contraíram o vírus após exposição direta a gatos selvagens (SARS) e camelos (MERS). Acredita-se que os morcegos são o reservatório mais provável para o SARS-CoV-2, pois ele se parece muito com o coronavírus deste animal. Como não há casos documentados de transmissão direta de morcego para humanos isso sugere a existência de um hospedeiro intermediário (como os gatos e camelos, nos casos passados). Nesse cenário o vírus teria desenvolvido os ganchos de ligação com humanos antes da transferência, o que explicaria a rápida difusão assim que os humanos foram infectados.

    Como muitos casos do COVID-19 foram associados com o mercado Huanan em Wuhan é bastante provável que o animal transmissor estivesse à venda neste local. O vírus corona no morcego rhinolophus affinis é 96% (aproximadamente) idêntico ao SARS-CoV-2. Mas suas protuberâncias (as agulhas responsáveis pela fixação do vírus na célula hospedeira) são diferentes, uma indicação de que esse vírus não se afixaria à células humanas. Já o pangolim da Malásia, Manis javanica, que é comercializado ilegalmente na China, é portador de um corona similar ao vírus que afeta os humanos. Para os cientistas essa é uma indicação forte de que o SARS-CoV-2 sofreu mutações dentro de animais, saltando a barreira entre espécies até atingir as pessoas que circulavam no mercado de Wuhan.

    Apesar de que nenhum vírus em animais (nem do morcego nem do pangolim) foi encontrado com as exatas características de um ancestral direto do SARS-CoV-2, as espécies de vírus em animais não são totalmente conhecidas. O hospedeiro ancestral teria que ser abundante na região para que as mutações naturais progredissem ao ponto de gerar um vírus que pode infectar humanos.

  • Outro cenário proposto sugere que uma versão não patogênica do vírus saltou de um hospedeiro animal para humanos e depois evoluiu para seu estado patogênico. Por exemplo, um coronavírus de pangolins, com sua estrutura semelhante à do SARS-CoV-2, poderia ter sido transmitido a um ser humano, diretamente ou através de um hospedeiro intermediário, como gatos selvagens ou furões. Nesse caso a habilidade de se fixar e penetrar a célula humana teria evoluído dentro de um hospedeiro humano, possivelmente através de circulação não detectada na população.

    Todos os genomas já sequenciados de SARS-CoV-2 possuem características comuns, o que leva à conclusão de que possuem um ancestral comum. Estimativas indicam que o ancestral mais recente do SARS-CoV-2 deve ter infectado seu hospedeiro em algum momento entre o final de novembro e início de dezembro de 2019, o que é consistente com a estimativa do surgimento do primeiro infectado. Este cenário presume que houve um período de circulação não detectada do vírus em humanos.

  • Muitos laboratórios em todo o mundo estão desenvolvendo pesquisas com coronavírus do tipo SARS-CoV, fazendo culturas em células e simulações. Em várias circunstâncias foram documentados o escape de SARS-CoV, apesar do alto nível de segurança desses laboratórios. Torna-se, portanto, indispensável pesquisar a possibilidade de que esse vírus tenha escapado de algum destes laboratórios. No entanto a semelhança entre coronavírus de pangolins com os de humanos, possuindo células e mecanismos de invasão celular análogos, tornam essa hipótese menos provável.

Com o que se sabe do vírus hoje é difícil decidir entre essas hipóteses. Se verificado que SARS-CoV-2 infecta humanos já em sua forma patogênica podemos supor que futuros surtos são possíveis, pois a cepa do vírus original ainda pode estar circulando em animais. A segunda possibilidade torna mais improvável um novo surto semelhante.

Apesar da insistente acusação de que essa cepa de vírus possa ter sido desenvolvida em laboratório com fins políticos e econômicos a análise de vários grupos de pesquisa indicam que ela não foi artificialmente manipulada. Esses estudos mostram que o novo vírus não foi desenvolvido a partir de nenhuma das variantes conhecidas de corona vírus, o que seria mais provável no caso de uma manipulação genética intencional.

A maioria das pessoas infectadas com o vírus desenvolve doença respiratória leve a moderada e se recupera sem a necessidade de tratamentos especiais. Os idosos e pessoas com condições prévias, como doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas e câncer, são mais vulneráveis e suscetíveis de desenvolverem doenças graves.


É provável que em um futuro próximo a maioria das pessoas no planeta tenham sido expostas ao vírus. No momento é importante garantir que o número de doentes com necessidade de intervenção médica não seja superior à capacidade de atendimento em hospitais e UTIs. Por isso é importante desacelerar a transmissão. O isolamento social, com pessoas evitando a circulação tanto quanto possível, é uma forma de retardar o contágio. Outra forma seria realizar o teste em muitas pessoas, isolando apenas os contaminados. A curva na animação mostra que, ainda que um número idêntico de pessoas seja contaminado, se esse processo for mais lento existirá, a cada momento menos pacientes a serem tratados. A curva inicial tem um pico alto ocorrendo em menor tempo, representando o número de doentes se nenhuma iniciativa de desaceleração for feita. A curva final indica o espalhamento no tempo que deve ocorrer se medidas apropriadas forem adotadas. A reta tracejada significa a capacidade médica de atendimento, que pode ser incrementada se houver tempo suficiente para isso.Eventualmente teremos maiores recursos para tratamento dos doentes, ou uma vacina que impeça a infecção. O retorno às atividades normais, após a fase de distanciamento social, deverá ser feito com cuidado, obedecendo critérios científicos. Veja, por exemplo, o artigo em Jacobs Consultoria, Como alguns países europeus retomarão suas atividades escolares.

O vírus se espalha principalmente por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Por isso é importante que as pessoas mantenham distância entre si e impeçam o espalhamento de gotícula durante a tosse ou espirro. O período de incubação vai de 1 a 4 dias. Durante esse período a pessoa pode estar contaminada mas não apresentará sintomas da doença. No momento (abril de 2020) não existem vacinas ou tratamentos específicos para o COVID-19 embora muitos ensaios clínicos estejam em andamento. A Organização Mundial da Saúde, a OMS ou WHO (em inglês) tem sido a melhor fonte de informação sobre o vírus e a pandemia por ele causada.

Mortes, COVID-19
O número de mortes pode não ser preciso devido à subnotificação de casos.

Origem dos Vírus

Essa seção trata da origem evolucionária de todos os vírus, e não apenas do novo coranavírus, tratada acima. Apesar de não existirem vírus fossilizados é possível desvendar a histórias de alguns vírus devido ao fato de que os genes de muitos vírus, como os da herpes e da mononucleose (causado pelo vírus de Epistein-Barr), compartilham propriedades com os genes das células que infectam . Isso sugere que eles se originaram como grandes blocos de DNA celular que mais tarde se tornaram independentes. Também pode ter ocorrido que esses vírus surgiram bem no início do processo evolutivo e que seus genes se incorporaram depois ao genoma das células. Alguns vírus que infectam humanos possuem estruturas parecidas com as de vírus de bactérias, uma indicação de que têm uma origem comum. Por outro lado a maioria dos vírus modernos têm em seu genoma segmentos provenientes de diferentes origens, de plantas, animais e outros vírus. Isso representa um problema adicional busca por suas origens.

Considerando que vírus como o do Ebola e Marburg (causador de uma febre hemorrágica) são relacionados com aqueles que causam sarampo e raiva, e são encontrados em poucas espécies, surgiu a sugestão de que todos eles são relativamente novos, em termos evolutivos. É possível que tenham se originado em insetos há milhões de anos e, em algum momento de sua evolução, conseguiram saltar a barreira entre espécies.

Vírus não são um aglomerado fortuito de genes e seu DNA (ou RNA) representa um arquivo genético que está evoluindo no planeta há bilhões de anos. A pesquisa atual considera a hipótese de que eles tenham surgido antes das células mais complexas ou de que o DNA tenha surgido primeiro nos vírus e depois passado para seus hospedeiros por meio das infecções e trocas genéticas.

O origem dos vírus continua um enigma. Sabemos que eles são muito antigos. Vírus muito parecidos infectam organismos nos três domínios da vida (Archaea, Bactéria e Eukarya), o que sugere que eles já existiam antes que esses domínios se separassem de seu ancestral comum, chamado de LUCA, o último ancestral celular universal.

Como eles não formam fósseis são necessárias técnicas moleculares para investigar seu surgimento. Além disso, como o material genético viral ocasionalmente se integra ao genoma dos organismos infectados, que são passados para seus descendentes por muitas gerações, o estudo da genética dos próprios hospedeiros podem revelar coisas interessantes sobre os vírus.

Existem três hipóteses principais que visam explicar as origens dos vírus:

  • Hipótese regressiva: No passado remoto vírus podem ter sido células pequenas que parasitavam células maiores. Com o passar do tempo a informação genética celular não necessária para a realização desse parasitismo foi perdida, deixando apenas o núcleo de RNA ou DNA e os envelopes. Como apoio a essa hipótese encontramos bactérias como a rickettsia e clamídia que só podem se reproduzir dentro de células hospedeiras, da mesma forma que os vírus.
  • Hipótese de origem celular: Vírus podem ter surgido a partir de pedaços de DNA ou RNA que se destacaram do genoma de um organismo mais complexo. Existem nos organismos pedaços de DNA que vagam livres entre as células (os plasmídeos), assim como moléculas de DNA internos à célula mas que se replicam e se movem para posições diferentes daquelas em que estavam (os transposons). Transposons já foram chamados de genes saltadores sendo elementos genéticos móveis que podem ter dado origem de alguns vírus.
  • Hipótese de co-evolução: Essa hipótese propõe que os vírus podem ter evoluído a partir de moléculas complexas de proteínas e ácidos nucléicos simultaneamente com as primeiras células. Eles poderiam ser dependentes da vida celular desde a formação, há bilhões de anos. Existem os viróides, moléculas de RNA soltas que não possuem uma camada protéica e por isso não são considerados vírus, mesmo possuindo características comuns a vários vírus. Os viróides são patógenos importantes das plantas e não codificam proteínas, mas interagem com a célula hospedeira usando seu mecanismo de replicação. O vírus da hepatite delta humana tem genoma de RNA semelhante aos viróides, mas possui uma camada protéica derivada de outro vírus (da hepatite B) e é incapaz de se reproduzir. Ele é considerado um vírus defeituoso que pode se replicar dentro de uma célula mas necessita da presença do vírus da hepatite B para receber dele um revestimento protéico sem o qual ele não poderia se transmitir para novas células. De maneira semelhante existem os chamados vírus satélites como o virófago sputnik que depende de um mimivírus. Esse tipo de vírus pode ser um intermediário evolutivo entre viróides e vírus.

Nenhuma dessas hipóteses é totalmente satisfatória para explicar o que se sabe sobre os vírus. É bem aceito pela comunidade científica que eles são seres muito antigos, provavelmente anterior ao LUCA, o ponto de bifurcação entre os três domínios. Já se sugeriu que os vírus conhecidos não são todos derivados de um único ancestral comum. Se isso for correto houve várias ocorrências do passado, por um ou mais mecanismos, de geração de vírus.

A evolução do vírus é um campo fascinante de pesquisa que continua sendo um tópico importante, mas até que seja resolvido, a questão de como os vírus se encaixam na árvore da vida permanece sem resposta.

Bibliografia:


Leia também: Como funcionam as vacinas?

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