O universo como uma floresta negra


“O universo é uma floresta negra. Cada civilização é um caçador armado espreitando por entre as árvores como um fantasma, empurrando suavemente os galhos à sua frente e tentando caminhar sem fazer ruído. Até sua respiração é cuidadosa. O caçador deve estar atento porque espalhados pela floresta existem caçadores furtivos como ele. Se encontrar outra vida – outro caçador, anjo ou demônio, um bebê delicado ou um velho cambaleante, uma fada ou semideus – resta a ele uma única coisa a fazer: abrir fogo e eliminá-los. ”
— Cixin Lin, The Dark Forest.
“Pouco sabemos sobre alienígenas, mas sabemos sobre os humanos. Se você olhar para a história, o contato entre humanos e organismos menos inteligentes tem sido desastroso para deles, enquanto encontros entre civilizações com tecnologias avançadas e primitivas foram ruins para os menos avançados. Uma civilização que receber uma de nossas mensagens [enviadas ao espaço] pode estar bilhões de anos à nossa frente. Nesse caso, elas serão poderosas e talvez nos vejam como meras bactérias.”
— Stephen Hawkings

Devemos ter medo de aliens?

A busca pela inteligência extraterrestre

SETI
O projeto SETI disponibiliza um Screen saver para os usuários de computador que queiram ceder tempo livre de suas máquinas para processamento de sinais.

Muitas pessoas olham para o espaço maravilhadas e perguntam se, como espécie, seremos capazes um dia de abandonar a terra natal e colonizar outros planetas. Há aqueles que consideram essa a única saída para a nossa sobrevivência, uma vez que estamos inviabilizando nossa existência na Terra em ritmo acelerado. Claro que muitos se lembram, então, da possibilidade de que outras espécies, originárias de outros planetas e sistemas solares possam estar no mesmo processo de evolução e almejando conquistar seu lugar no cosmos. A hipótese não é desprezível. Hoje sabemos que existem muitas estrelas rodeadas por planetas. De fato, a existência de planetas constitui uma regra, e não uma exceção, com antes se pensava. Não é improvável que existam muitos planetas com características físicas e químicas adequadas para o surgimento de vida. Se existe vida podemos ter também vida consciente, auto-reflexiva e inteligente. Uma vida que é capaz de se desenvolver no conhecimento do mecanismo das coisas e, portanto, de desenvolver tecnologia.

Quando o projeto SETI (Search for Extraterrestrial Inteligence ou Busca por Inteligência Extraterrestre) foi lançado, em fevereiro de 1984, muitos cientistas o consideravam um projeto excessivamente ousado e com pouco embasamento científico. As teses investigadas pelos pesquisadores, entre eles Carl Sagan, foram chamadas de pseudo-científicas. Afinal não se conhecia um único exoplaneta, um planeta em órbita de outra estrela que não o nosso Sol. O conceito de procurar por emissões de ondas de rádio no meio interestelar surgiu logo após o desenvolvimento da tecnologia do rádio, na Terra. Nicholas Tesla, um dos pioneiros do uso tecnológico do eletromagnestismo, acreditava ter captado emissões de habitantes de Marte, algo que se mostrou ser um erro. Argumentou-se que uma civilização tecnologicamente avançada certamente usaria ondas eletromagnéticas na transmissão de suas informações. Para realizar sua missão o projeto SETI conta com grandes radiotelescópios, inclusive o de Arecibo, satélites em órbita terrestre, e o uso de sistemas de inteligência artificial para analisar o enorme volume de dados que coletam.

Arecibo
O rádio telescópio de Arecibo, em Porto Rico, parte do projeto SETI, capta radiação eletromagnética do espaço e procura nelas sinas de uma emissão inteligente.

A situação mudou muito desde a década de 80. No presente, ano de 2020, mais de 4.000 exoplanetas já foram descobertos, muitos deles na chamada goldilock zone ou região habitável, uma faixa do sistema planetário onde não é quente demais pela proximidade com a estrela, nem frio demais por afastamento dela. O entusiasmo pela busca de vida extraterrestre cresceu proporcionalmente assim como número de observatórios e pesquisadores na área. No entanto, após muitos anos de busca nenhum sinal claramente advindo de fonte inteligente foi encontrado.

O processo de busca é complexo. Quando um sinal diferente é captado em uma das antenas observadoras do cosmos uma série de análises deve ser processada sobre ele. É necessário excluir todas as possibilidades de que a emissão tenha provindo de fontes naturais tais como um jato de matéria muito quente em alta velocidade, a obstrução parcial de uma fonte, etc. Não é raro que se encontre sinais exóticos que permanecem como candidatos a serem originados de modo tecnológico por um tempo até que sua origem natural seja explicada.

Encontramos os Alienígenas?

Em setembro de 2015, astrônomos relataram a descoberta de uma estrela diferente. Eles estavam analisando os dados coletados pelo telescópio espacial Kepler em um projeto que busca detectar exoplanetas medindo variações no brilho de estrelas. A estrela de Tabby, localizada na constelação de Cygnus está a 1.470 anos-luz da Terra e exibe flutuações de brilho incomuns, muito acentuadas e chegando à redução 22% do brilho em certos momentos e de forma não periódica. Diversas hipóteses foram propostas para explicar as variações irregulares no brilho da estrela. Foi proposto que um anel irregular de poeira orbita a estrela, talvez deixada pela explosão de um exoplaneta, ou um agrupamento anormal de fragmentos de cometas frios em órbita muito excêntrica. Uma hipótese mais arrojada foi apresentada com a sugestão de que a variação de luz de Tabby fosse produzida pela presença de uma esfera de Dyson, uma mega estrutura tecnológica em órbita da estrela formada por coletores de energia. Essa seria uma forma espetacular de se descobrir não apenas a existência de seres alienígenas mas também que eles fariam uso de alta tecnologia.

Vários estudos, inclusive simulações em computadores, foram feitas para explicar esse comportamento. A hipótese da esfera de Dyson parece ter sido descartada pois as bordas de sombra são irregulares e difusas, incompatíveis com um objeto tecnológico.

Representação artística da estrela de Tabby, rodeada por uma possível nuvem de poeira irregular.

Recentemente, 2019 e 2020, um grupo canadense encontrou uma fonte de FRB (fast radio bursts ou sinais de radio de curta duração e alta potência) com um padrão diferente do usual. Essas ondas de rádio são emitidas por 4 dias sem parar, seguidos de um longo silêncio de 12 dias. Os astrônomos conseguiram encontrar a fonte em uma galáxia espiral em torno de 500 milhões de anos luz da Terra. O sinal continua exibindo sua variação e ainda não tem uma explicação apropriada.

Muitos estudiosos do assunto consideram como a detecção mais difícil de ser explicada o chamado WOW signal. Wow, ou uau, foi a expressão de surpresa do astrônomo que primeiro o encontrou, analisando dados gravados, como parte das pesquisas do SETI. Esse sinal teve origem na direção da constelação de Sagitário e nunca mais foi observado. Várias hipóteses foram sugeridas, entre elas a de que o sinal teve origem na Terra tendo sido refletido por algum algum objeto em órbita do planeta, tal como um satélite artificial.

A existência de eventos observados e não explicados não representa prova de que existem seres inteligentes fora de nosso planeta. Em todas as áreas da ciência muitos problemas permanecem sem explicação e sua própria existência reafirma a necessidade permanente de pesquisa. Uma afirmação extraordinária, como a da existência de vida (e mais ainda de vida inteligente) exige provas concretas e inequívocas, e todos os esforços devem ser feitos para se encontrar uma explicação mais simples para esses fenômenos. A pesquisa continuada mostra que, algumas vezes, na tentativa de se eliminar uma explicação, fenômenos muito complexas e desconhecidos podem ser compreendidos e agregados ao conjunto do conhecimento científico.

Quantas civilizações inteligentes existem no cosmos?

Em 1961 Frank Drake, um dos entusiastas do projeto SETI, sugeriu uma equação que resume os principais conceitos envolvidos na possibilidade de se encontrar uma civilização extraterrestre usando comunicação por ondas eletromagnéticas. Ela não é a representação de nenhum modelo sério de estudo mas uma tentativa de estimação probabilística da existência dessas civilizações. Drake não procurava alcançar um número preciso mas sim uma forma de estimular o diálogo científico sobre a busca por inteligência extraterrestre.

A equação sempre foi alvo de muitas críticas, principalmente porque os valores estimados para cada um dos fatores envolvidos são altamente conjecturais. As grandes incertezas sobre cada um deles certamente se amplia quando todos os fatores são considerados em conjunto.

A equação de Drake busca encontrar quantas civilizações existem em nossa galáxia. Ela é um argumento probabilístico, uma estimativa usada para calcular quantos grupos extraterrestres podem estar ativos na Via Láctea.
$$
N = R _* \times f_p \times n_e \times f_ l \times f_i \times f_c \times L
$$

Onde:
\(N =\) número de civilizações na Via Láctea que podem entrar em contato conosco (ou seja, que estão em nosso atual cone de luz passado),
\(R_∗ = \) taxa média de formação de estrelas em nossa galáxia,
\(f_p = \) fração dessas estrelas que têm planetas,
\(n_e = \) número médio de planetas com potencial para suportar vida,
\(f_l = \) fração de planetas onde efetivamente a vida se desenvolve,
\(f_i = \) fração de planetas onde a vida evolui para a inteligência (civilizações)
\(f_c = \) fração das civilizações que desenvolvem uma tecnologia que emite sinais detectáveis,
\(L = \) duração das civilizações que emitem sinais detectáveis ​​no espaço.

Observe que os últimos 4 parâmetros são completamente desconhecidos e de difícil medida. Em geral se faz uma estimativa se seus valores.

Já em 1950 o físico italiano Enrico Fermi levantou uma questão que hoje chamamos de Paradoxo de Fermi: Considerando o tamanho e a idade do universo é razoável acreditar que existam muitas civilizações tecnologicamente avançadas. No entanto nenhuma evidência de que elas existam foi encontrada, apesar dos esforços realizados. Essa crença parece logicamente inconsistente com nossa falta de evidências observacionais para apoiá-la. Uma das afirmações seguintes deve ser verdadeira:

  1. A suposição inicial está incorreta e a presença de vida, particularmente inteligente, é muito mais rara do que acreditamos,
  2. Nossas observações atuais estão incompletas e são insuficientes para detectar os sinais usados por civilizações extra-terrestres, ou porque nossa metodologia de pesquisa é falha ou não estamos procurando os indicadores corretos, ou
  3. Civilização tecnologicamente avançadas desenvolvem meios de auto-destruição e o fazem decorridos algum tempo de desenvolvimento.

Apesar da natureza especulativa da questão e suas tentativas de resposta o último item deveria servir como um alerta importante para a nossa própria civilização.

Há quem argumente que estamos reagindo de modo impaciente à essa investigação. Humanos estão escutando os sinais da galáxias por pouco tempo mais de 100 anos. O universo tem, de acordo com as teorias aceitas, em torno de 14 bilhões de anos e se estende por 92 bilhões de anos luz (pelo menos o universo observável). O setor do cosmos que podemos “escutar” não passa de 1% da galáxia. Então talvez não tenhamos ainda tempo nem alcance técnico para resolver essa questão.

Goldilock zone, a faixa habitável dentro de sistemas estelares, de acordo com o tipo de estrela.

Em um estudo recente publicado no periódico The Astrophysical Journal, cientistas da Universidade de Nottingham, Inglaterra, estimaram que existe pelo menos 36 civilizações inteligentes em nossa galáxia com capacidade de se comunicar. Eles se utilizaram de um conceito denominado Limite Astrobiológico Copernicano, que supõe que as condições encontradas na Terra não são particulares ou especiais, e que podem ser encontradas na média dos demais planetas. Entre os limites propostos pelo princípio estão o de que a vida inteligente se forma em menos de 5 milhões de anos à partir do surgimento da vida, em planetas na zona habitável e que tenham a distribuição apropriada de elementos químicos.

Em suas análises os pesquisadores consideram que qualquer vida encontrada não seria muito diferente da vida terrestre e afirmam que esse estudo pode ser útil para nos indicar por quanto tempo uma civilização tecnológica consegue sobreviver. Nas palavras de Christopher Conselice, o líder do grupo, “Mesmo que não encontrarmos nada na busca por inteligências e vidas extraterrestres, estaremos compreendendo qual será nosso futuro e nosso destino.”

A Floresta Negra

Os três livros da trilogia de Cixin Liu: O Problema de Três Corpos (2016), A Floresta Sombria (2017) e O Fim da Morte (2019), com tradução de Leonardo Alves, Editora Suma de Letras, estão disponíveis na Amazon.

Entre os anos de 2006 e 2010 o escritor de ficção científica chinês Cixin Liu publicou sua trilogia: The Three-Body Problem (三体), The Dark Forest (黑暗森林) e Death’s End (死神永生). Em seus contos Liu relata o encontro com os extraterrestres trissolarianos originários de um sistema panetário que gira em torno de estrelas triplas, altamente errático e pouco favorável à vida e civilização. Após descobrir que seu sistema está prestes a ser destruído pelas estrelas esse povo inicia um ataque à Terra, planejado ao longo de muitos anos. Com isso os habitantes da Terra descobrem que o universo é repleto de civilizações altamente agressivas e que competem por recursos. Para a manutenção de sua própria vida um povo deve se esconder, evitando transmissões que alertem os agressores de sua posição, ou partir para a agressão, eliminando seus competidores. A esse sistema composto por medo e agressividade ele denominou A Floresta Negra.

Liu sugere a necessidade de uma Sociologia Cósmica: o estudo teórico das possíveis interações entre civilizações na galáxia. A astrônoma Ye Wenje sugere para Luo Ji (dois personagens) os axiomas da disciplina: “Primeiro: A sobrevivência é a necessidade primária de uma civilização. Segundo: Civilizações se expandem continuamente mas a matéria total do universo permanece constante. Mais tarde Luo Ji usa esses conceitos para ameaçar os invasores trissolarianos com a revelação cósmica da posição de seu sistema planetário, dissuadindo a invasão.

O debate entre terrestres e trissolarianos tem uma faceta que se aproxima à do Dilema dos Prisioneiros: dois assaltantes são pegos pela polícia. Sem provas para incriminá-los os policiais precisam de confissões. Para isso interroga cada bandido em separado tendo oferecido a eles um acordo. Se nenhum dos dois confessar o crime ambos recebem a sentença de 1 ano de cadeia. Se um deles confessar o delator escapa da prisão enquanto o colega fica preso por 3 anos. Se ambos confessarem eles ficam presos por 2 anos. Sem uma comunicação efetiva cada parte pode ser tentada a tirar um proveito que, em última análise, prejudicaria a ambos. A melhor estratégia, para o par, consiste em confiarem um no outro e ficarem calados.

O mesmo cenário pode ser visto em relações internas entre países terrestres e seus conflitos, quando se considera que um país com armamentos mais sofisticados pode destruir completamente um adversário, embora exista o risco de que ele próprio se prejudicaria com a destruição do outro.

Muitos divulgadores científicos e até pesquisadores estão se utilizando da expressão “Teoria da Floresta Negra”. Há que se lembrar, no entanto, que essa não é, em nenhum sentido preciso, uma teoria de fato mas apenas uma hipótese, uma conjectura ou exercício de imaginação científica. [Leia nesse site Teoria, Hipótese e Modelo em Física e Devemos Acreditar na Ciência?]

Stephen Hawkings

Em 2006, Hawking apresentou na internet uma pergunta, pedindo a participação de outros respondentes: “Nesse mundo de caos político, social e ambiental, a raça humana aguentará 100 anos mais?”. Muitas vezes ele expressou preocupação de que a vida na Terra estava em risco de guerra, de vírus geneticamente modificado, do aquecimento global ou outros perigos. Ele considerava a pesquisa espacial como essencial para a sobrevivência humana, visto que não é pouco provável que tenhamos que nos refugiar no espaço. Como parte de suas preocupações ele afirmava sua crença de que provavelmente existem alienígenas e que o contato com eles deveria ser evitado. “Se os alienígenas nos visitarem, o resultado será muito semelhante ao de quando Colombo desembarcou na América, o que não foi muito bom para os nativos americanos”, ele disse.

Hawkings receava que alienígenas, que provavelmente não teriam nenhum parentesco genético com os humanos, nos tratariam da mesma forma que tratamos uma colônia de formigas. Não seria inesperado que grupos avançados na galáxia, após a destruição de seus próprios habitats, se tornem nômandes do espaço, assaltando e pilhando os recursos de outros planetas. “Nesse caso faria sentido para eles explorar e pilhar cada novo planeta em busca de material para a construção de outras espaçonaves para que pudessem prosseguir. Quem sabe quais seriam os limites?”

Junta-se a isso a observação de que nossa espécie sempre tratou com descaso grupos de nossa própria espécie com menor desenvolvimento tecnológico. Juntamente com outros cientistas ele manifestava a preocupação de que não deveríamos anunciar para o cosmos a nossa presença.

O grande cientista, falecido em 2018, receava também os grandes avanços feitos na área da inteligência artificial, algo que ele julgava ser fatal para a espécie se não “aprendéssemos a evitar os riscos”. E apontava os perigos de que o capitalismo moderno causasse uma desigualdade econômica entre povos e pessoas, suficiente para gerar caos e instabilidade.

Apesar do respeito que Hawkings sempre despertou pela sua enorme proficiência em física avançada, não é óbvio que suas conclusões a esse respeito estivesse corretas. Vários pensadores se dispuseram a fornecer visões mais otimistas para o futuro da humanidade. Um exemplo é o da ex-diretora do SETI, Jill Tarter. Segundo ela qualquer espécie com capacidade para atravessar vastas regiões do espaço terá desenvolvido também um sentido ético aprimorado de respeito à vida. “Eles não precisariam de escravos e nem de roubar os recursos de outros povos”.

Bibliografia

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