Devemos Acreditar na Ciência? (cont.)

Vamos tomar a seguir dois exemplos de teorias científicas, o modelo cosmológico padrão, usualmente chamado de Big Bang, e a Teoria da Evolução das Espécies.

Crer e conhecer

Você acredita que o universo surgiu em uma grande explosão?

O modelo do Big Bang, ou a Grande Explosão, é uma consequência da Teoria da Relatividade Geral de Einstein com o acréscimo de algumas pressuposições extras, como a homogeneidade e isotropia do conteúdo material do espaço. A teoria da relatividade, como já mencionamos, passou por inúmeros teste de verificação com níveis crescentes de precisão. A homogeneidade e isotropia são pressupostos adicionais e externos à teoria, que foram incluídos no início, para facilitar uma solução para as equações, que são um conjunto de equações diferenciais não lineares de difícil solução. Esses pressupostos precisam ser igualmente verificados para que a solução obtida com seu uso seja considerada válida. Hoje é possível fazer mapeamentos da estrutura do universo em grandes escalas e ele se mostra não homogêneo em escalas menores, aumentando sua homogeneidade (e isotropia) para grandes escalas. Além disso a radiação de microondas de fundo, remanescente de uma época em que o universo era muito quente, se mostra bastante uniforme embora exibindo pequenos agrupamentos localizados. De acordo com teoria vigente tais pequenos desvios da homogeneidade são exatamento aqueles necessários para que as grandes estruturas universais tais como galáxias e grupos de galáxias se formassem.

Existem diversos problemas em aberto e sob o estudo de cientistas em todo mundo, problemas que provavelmente trarão refinamentos e acréscimos ao modelo já delineado. Embora seja possível, não se espera que este modelo seja completamente descartado e substituído por outro radicalmente diferente. Por outro lado é muito provável que o modelo seja bastante expandido com a compreensão da gravitação em níveis microscópicos e com o aprofundamento da compreensão sobre a física das partículas elementares.

Você acredita na teoria da evolução?

A teoria da evolução é o conceito de que os organismos vivos se modificaram gradualmente e que estas modificações deram origem à multiplicidade dos seres hoje existentes. As modificações ocorrem por meio de mutações genéticas e através da deriva genética, um processo de embaralhamento de genes em suas respectivas posições. Tanto as mutações quanto a deriva ocorrem de modo aleatório. Modificações bem sucedidas são aquelas que geram indivíduos mais aptos à sobrevivência e são propagadas para gerações posteriores. Existem alterações que não aumentam nem diminuem as chances do indivíduo permanecer vivo, enquanto outras geram indivíduos menos aptos, que vivem menos e tendem a não gerar descendentes. Por meio deste mecanismo de seleção natural, um processo não-aleatório, as espécies se modificam e se tornam mais adaptadas ao ambiente onde vivem.

A teoria da evolução não é uma hipótese desprovida de provas, como sustentam alguns. Ela é uma teoria científica comprovada por uma grande série de registros fósseis que contam a história de como a vida evoluiu desde formas primitivas e simples até a multidão de seres hoje existentes. Esta teoria, proposta por Darwin, encontra grande oposição nos meios religiosos que, em sua maioria, afirmam que o ser humano foi feito por um ato único de um criador. A observação dos fósseis relata uma história diferente, mostrando as etapas pelas quais as espécies passaram até atingir o estado presente. Não se pretende dizer que a teoria é completa ou final. Assim como ocorre na física, em todas as demais áreas da ciência o conhecimento progride de forma recursiva, aproveitando as conquistas anteriores, aperfeiçoando aspectos errôneos e expandindo sua compreensão dos modelos.

A rejeição, muito mais emocional que objetiva, de que o ser humano não pode descender do macaco é descabida. De acordo com a teoria da evolução homem e macaco descendem de um ancestral comum. Aliás, de acordo com a teoria de Darwin, se considerarmos quaisquer dois seres hoje existentes, procurando em um passado suficientemente remoto encontraremos um ancestral comum a ambos. Uma consequência direta desta afirmação é a de que os humanos, brancos ou negros, europeus, africanos ou asiáticos, todos possuem um ancestral comum. Existem registros de diversos grupos de hominídeos espalhados pela Europa e África antigas mas apenas um pequeno grupo sobreviveu. Todos os humanos hoje existentes descendem de uma tribo que surgiu na África em torno de 150 a 200 mil anos atrás, o Homo Sapiens, com leves traços genéticos importados dos Neandertais através de cruzamentos entre estes dois grupos.

A teoria da evolução é uma proposta de explicação da diversidade da vida no planeta. Ela gera conclusões que podem ser verificadas na natureza e faz previsão sobre coisas que, em algum tempo, não eram conhecidas.

Mas, não é apenas uma teoria?

A palavra teoria , na ciência, tem um significado diferente daquele usado no cotidiano, onde ela é equivalente à hipótese. Se alguém investiga um crime, sem saber quem o praticou, ele busca se informar dos fatos conhecidos (analisando a cena do crime, entrevistando testemunhas, etc.) para então formular uma hipótese. Em seguida ele deverá testar a sua hipótese, eliminado suposições incorretas até ser capaz de indicar quem foi o criminoso. Neste sentido, uma teoria científica equivale à solução de um crime (embora sempre seja possível o surgimento de novos fatos e uma reviravolta completa no entendimento do que ocorreu de fato).

Devemos temer o avanço da ciência?

O desenvolvimento científico e tecnológico, como é bem comprovado pela história, sempre é acompanhado por perigos e ameaças. Uma mesma tecnologia pode ser usada para o benefício social e comunitário e simultaneamente para outro fim pouco construtivo e menos nobre. Por este motivo é necessário que a sociedade se mantenha vigilante e busque conhecer e participar das decisões sobre o uso das novas técnicas. Existem diversos mecanismos de controle, tais como os conselhos de ética para experimentos biológicos e envolvendo o ser humano ou testes em animais. Algumas experiências em psicologia realizadas no passado, tais como a exposição de pessoas a níveis extremos de tensão e violência, não seriam permitidas hoje. Com o avanço de novas técnicas em todas as áreas da ciência é provável que novos mecanismos de controle sejam criados. Estes mecanismos devem sempre envolver pessoas de várias áreas do conhecimento. Não se pode perguntar apenas aos biólogos se eles podem ou não clonar um ser humano, por exemplo. O interesse e a curiosidade científica, se desempedidos de compromissos sociais, certamente tenderiam a provocar absurdos como experimentações cruéis e revoltantes para com outros seres vivos ou perigosas para a comunidade. É necessário lembrar que, em muitos casos, a pesquisa é financiada com meios públicos e, mesmo que seja uma iniciativa privada, a comunidade inteira (e não apenas cientistas) deve se manisfestar.

No entanto é necessário que esta comunidade possua esclarecimento suficiente para construir suas decisões. A ignorância pode – e tem levado – ao atraso e excesso de apreensão. Um exemplo disto é o medo de que um acelerador de partículas provoque uma explosão de nível planetário durante uma de suas experiências. Outro exemplo importante é a objeção sistemática à vacinação e a pesquisa com células tronco. Este é mais um motivo importante para o aprimoramento da educação.

A falácia naturalista: existe uma crença muito difundida e arraigada, que provoca medo nas pessoas, a de que o ser humano não deveria alterar “o estado natural das coisas”. A expressão “produtos químicos” está vinculada à sensação de perigo, em um flagrante esquecimento de que tudo o que nos rodeia é composto por produtos químicos e a química é a base da própria vida. Na área da biologia lidamos diariamente com organismos modificados, tais como as rosas de muitas pétalas, os cachorros especializados em raças criadas artificialmente, gado resultante de inseminação artificial, vacinas produzidas pela manipulação genética do vírus que se quer combater, e muitos outros. Devido à eletrônica (uma aplicação da física quântica) usamos nos bolsos aparelhos onde eletrons atravessam barreiras que seriam classicamente proibidas (o chamado tunelamento quântico), fotos são obtidas através do efeito fotoelétrico e armazenadas magneticamente em componentes miniaturizados, nenhum deles existentes “in natura”.

Esta defesa da técnica não implica em relaxamento da vigilância. Muitas pessoas hoje temem que ondas eletromagnéticas geradas por antenas e aparelhos celulares e domésticos possam produzir danos à saúde. Até hoje não foram encontradas correlações entre o uso destes aparelhos (dentro de um regime normal e recomendado) e problemas de saúde. No entanto tais problemas podem surgir com o aumento da intensidade da radiação ou uso inadequado dos aparelhos. É necessário que se mantenha a pesquisa e a observação. Infelizmente um efeito danoso gerado por nova tecnologia pode só ser descoberto depois de algum tempo, quando o dano já foi provocado. Foi o que ocorreu no uso de chumbo em tintas aplicadas em casas (que contamina principalmente as crianças) e nas primeiras manipulações com materiais radioativos, muitos deles encontrados na natureza. Muitos dos pesquisadores iniciais na área morreram devido à super exposição à radioatividade. O uso do gás CFC (clorofluorcarbono) em aparelhos refrigeradores mostrou, com o tempo, ser uma solução inadequada para uso como gás resfriador devido à agressão à camada de ozônio na atmosfera terrestre. Em qualquer dos casos a solução para o problema é progredir com cautela e estar atento aos efeitos colaterais envolvidos em novas técnologias.

A ciência pode nos esclarecer sobre qual é o propósito da vida?

Esta pergunta envolve aspectos interessantes. Como discutimos no início e no estágio em que nos encontramos, este não é um objeto de consideração científica e, talvez, nunca venha a ser. O conceito de propósito ou meta para a vida é a formulação de um anseio humano, um desejo de continuidade e a busca de uma direção que pode não ter qualquer correspondência na natureza.

Algo análogo ocorre com nossa definição de justiça. Gostaríamos de crer que ela ocorre em todos os níveis e em todos os lugares mas, novamente, este é um conceito humano gerado por nossa percepção e capacidade de reflexão. Provavelmente a natureza ignora sumariamente este conceito, enquanto tigres devoram as impalas que, por sua vez, lutam para sobreviver e se multiplicam de modo que, mesmo depois de servirem de alimento para os felinos, ainda existem em quantidade suficiente para para continuarem em novas gerações.

Há, no entanto, algo a acrescentar: nas últimas décadas se observa uma crescente apatia entre os jovens e adultos que parecem padecer de desmotivação e ausência de propósito em suas vidas pessoais. Isto se reflete de modo importante na coletividade sob a forma de alienação social e sentimento de inadaptação em frente à uma sociedade complexa. Por isso muitos se apegam à ideologias pouco construtivas ou se agrupam em torno de temas irrelevantes. Uma das causas do problema está na situação político-econômica moderna e as deficiências na educação. Aparentemente vivemos em um mundo onde a progressão social se torna mais difícil.

No entanto vivemos um momento privilegiado na história do conhecimento. Temos agora como oferecer uma história consistente da formação do universo, não mitológica mas baseada em verificação objetiva, da formação dos elementos químicos, das estruturas cósmicas como os aglomerados galáticos, as próprias galáxias e sistemas planetários. Podemos reconstruir a aventura do surgimento da vida e sua evolução até os estágios elaborados em que se acham no presente. Conhecemos hoje o funcionamento do cérebro, a forma como suas partes se especializam para tarefas específicas, ou se reconfiguram para contornar um dano ao cérebro ou uma mudança drástica do ambiente. Estamos nos aproximando de obter uma descrição sólida do surgimento e funcionamento da consciência. Além dos aspectos teóricos a ciência aplicada á tecnologia tem tornado disponíveis aparelhos úteis ou simplesmente divertidos e o avanço desta sofisticação é vertiginoso. Acompanhar a evolução do conhecimento deveria ser uma aventura interessante e proveitosa para as pessoas, mesmo que nem todos participem desta construção . É como se tivéssemos à disposição um avervo gigante de livros e filmes de aventuras, repleto de novidades e surpresas a cada instantes e que, para nosso deleite, não termina nunca!

É verdade que a ciência está baseada sobre pressupostos não verificados?

Em algum grau a resposta para esta pergunta é afirmativa. Considerações sobre os fundamentos de qualquer ciência, ou da ciência como um todo, são sempre difíceis e delicados.

Um pressuposto é o de que a razão é necessária para se entender a natureza. Mas a razão apenas não é suficiente. O pesamento científico moderno trabalha com o conceito de que a interação entre razão e experimentação, entre a construções de modelos teóricos e a verificação empírica são indispensáveis. Evidentemente os dois aspectos padecem das limitações impostas por nossa capacidade de ver o que está acontecendo e o processamento dos dados obtidos. A ciência busca contornar o problema da limitação sensória com aparelhos que extendem a nossa capacidade, tais como telescópios, microscópios, antenas que observam o céu em faixas eletromagnéticas além da luz visível, aceleradores de partículas (que buscam “ver” um mundo muito pequeno), etc. Nossa capacidade intelectiva pode ser ampliada (e já está sendo) por meio do uso de computadores.

Não podemos afirmar, no entanto, que nada existe além daquilo que podemos ver, mesmo com os sentidos ampliados. Nem que uma compreensão mais profunda das coisas exija um tipo de processamento a que ainda não temos acesso.

Outra conceito de uso geral representa uma guia para o pensamento, uma diretriz de como progredir e é conhecido como “a navalha de Occam”. O monge William de Occam, teólogo e lógico inglês do século 14, fez uso frequente e efetivo deste conceito, já existente em sua época. Segundo ele não se deve incluir um número maior que o necessário de hipóteses para a explicar um fenômeno ou acontecimento. Uma leitura moderna da navalha de Occam seria a de que qualquer teoria deve ser composta pelo menor número possível de variáveis, causas ou fatores. De certa forma isto nos leva à suposição de que o Universo é simples, de preferência à complexo, e esta “simplicidade” faz com que possamos compreendê-o com o nosso intelecto. Este princípio do minimalismo e simplicidade é coerente com a expectativa de que as leis universais são regulares e sistemáticas, pois um universo caótico onde as leis podem se alterar no tempo e variar segundo a localização no espaço é muito mais complexo e e incompreensível.

O pensamento moderno é fortemente influenciado pela filosofia da Grécia Clássica, principalmente Pitagórica e Platônica. Uma natureza que pode ser compreendida pela razão nos leva a crer que é possível fazer uma descrição matemática do cosmos e de suas partes. Segundo Pitágoras (ou algumpensador pitagórico) o número está por trás de todas as coisas e, se uma equação ou lei matemática falhar na explicação de um fato certamente deverá haverá outra mais exata para substituir a equação defeituosa! A experiência histórica tem mostrado, até agora, que este é um fundamento sólido.

Buscando por Deus

De acordo com Occam:

Não se deve multiplicar o número de entidades além do necessário, pois nada deve ser proposto sem um motivo, exceto se for algo evidente ou conhecido pela experimentação…”

Para ele a única entidade realmente necessária para explicar qualquer coisa seria Deus. No entanto tal idéia teve papel diferente na história do pensamento, exatamente no expurgo de entidades metafísicas ou desnecessárias.

A explicação religiosa para a origem do Universo e dos seres falha, segundo este crivo, porque, para explicar o desconhecido, insere uma entidade muito mais complexa e ainda mais desconhecida, representada pelo conceito de Deus.

Historicamente a ciência necessitou expurgar a crença de que entidades supernaturais — como deuses, por exemplo — possam interferir arbitrariamente no funcionamento das coisas. Era uma noção comum na cosmologia medieval que Deus, diretamente ou por meio de seus anjos, guiava todas as coisas e as dirigia, inclusive os planetas que teriam seu movimento mantido por uma hoste de seres celestiais. O conceito era compatível com a física de Aristóteles que afirmava que um objeto livre (não submetido a alguma força externa) deveria perder velocidade até ficar em seu estado natural, o repouso. No entanto um novo modelo foi construído com após a introdução da noção de experimentação, por Galileu (que mostrou estar incorreta a física de Aristóteles), um longo processo de medidas das posições planetárias por Kepler e Tycho Braher e a criação de um modelo mais simples e bem sucedido com a teoria de gravitação universal de Newton. Este modelo era lógico, internamente coerente e bem verificado pela observação e prescindia da noção de agentes externos.

A maioria dos pensadores, mesmo até a época de Laplace, buscava encontrar leis e regularidades no universo exatamente para demonstrar a existência da interferência divina. Aos poucos o mecanismo de funcionamento do movimento planetário foi sendo esclarecido e a explicação supernatural foi empurrada para níveis mais abstratos. A influência de Deus no movimento planetário teria sido, então, como um motor inicial, o fator que colocou todo o universo em movimento.

A ciência, no entanto, repousa sobre a crença de que o universo pode ser compreendido pela mente humana, de que as leis da natureza são universais e funcionam em todas as partes do universo e em todos os tempos. A estabilidade e permanência da lei é um pressuposto básico: seria impossível fazer ciência em um mundo inconsistente onde fenômenos ocorressem de forma diferente e aleatória a cada instante em que se fizesse um experimento. Da mesma forma saberíamos muito pouco sobre o universo se as leis que funcionam na Terra não fossem as mesmas que atuam no Sol, nas estrelas ou em galáxias distantes. Não sabemos se existem regiões do universo onde leis diferentes se aplicam, nem se as leis atuais se alteram lentamente com a evolução do universo.

Uma física na terra, outra no céu?

No início da construção do pensamento científico, desde pensadores gregos até a Idade Média, se acreditava que as leis terrenas não se aplicavam aos objetos celestes, incorruptíveis e divinos. Este foi um dos motivos pelos quais Galileu teve dificuldades com a igreja quando revelou a existência de manchas no sol, vistas através do telescópio por ele construído. Um passo importante para a compreensão de que as leis meteorológicas (relativas aos objetos celestes) são as mesmas leis que regem objetos terrenos foi dado por Newton, ao anunciar a lei da gravitação universal. Embora isto esteja longe de ser óbvio, a atração que a Terra exerce sobre uma maçã que cai e sobre a Lua é a mesma, embora seu efeito nos dois casos pareça ser diferente. Na visão moderna a mesma física que descreve fenômenos na terra descreve também o que ocorre dentro do Sol ou de duas galáxias distantes em colisão.

Um exemplo disto foi a descoberta do elemento hélio no sol antes mesmo que fosse encontrado na Terra. Um estudo do espectro luminoso da luz solar mostrou que havia no Sol um elemento químico compatível com aquele previsto teoricamente em uma análise da tabela periódica, com numero atômico z=2 (dois protons no núcleo).

Como resolver os problemas existentes quanto à divulgação científica?

Um volume grande de publicações é produzido hoje. Algumas delas contém explorações de alguma teoria aceita, tentativas de validar (ou invalidar) modelos propostos, o lançamento de novas hipóteses ou especulações selvagens com poucas changes de serem um dia verificadas. Muitas outras existem que contém apenas erros e tolices que não devem ser levadas a sério. Com a internet surgiram revistas “de aluguel” que cobram do pesquisador para publicar seus artigos e quase sempre têm pouco valor. Tudo isto faz com que seja difícil, até para um especialista, acompanhar a evolução de sua área do conhecimento.

O volume de conhecimento acumulado obriga as pessoas a passarem boa parte de suas vidas nos bancos escolares. Além da necessidade de formar pessoas especializadas, que podem produzir novas soluções ou gerenciar a tecnologia existente também é preciso difundir a ciência para o cidadão comum, não técnico. Caso contrário as pessoas usarão tecnologia como uma caixa preta ou um instrumento mágico, e se tornarão dependente daquele que detém o conhecimento. Além de não compreender minimamente o mundo onde vive ele não poderá tomar decisões nem contribuir para um apropriado progresso da sociedade.

Novamente nos deparamos com a necessidade de uma educação de qualidade, inclusive para a formação continuada de professores e outros profissionais. É necessário tambem aprimorar a qualidade da informação científica passada por veículos como televisão, rádio, revistas e jornais, cuja qualidade hoje é questionável. O compartilhamento de bons canais disponíveis na internet pode ajudar neste aspecto.

Porque a imprensa divulga tantas tolices e superstições?

A imprensa brasileira (e no resto do mundo), quando menciona avanços e novidades científicas, difunde conceitos distorcidos e obscuros, quando não totalmente falsos. É raro que consultem um especialista que, no mínimo, ajude na compreensão de uma descoberta ou na tradução e leitura de artigos estrangeiros. Um exemplo do descompromisso com a informação é a exploração de fenômenos paranormais, avistamentos de OVNIs, animais sobrenaturais, medicamentos mágicos e outras superstições. Isto é seguido pela ausência de acompanhamento da informação. Por exemplo, um jornal pode noticiar com ênfase o avistamento de um objeto voador não identificado e, mais tarde, não mencionar ou dar a mesma ênfase para a descoberta de que o objeto se tratava de um balão meteorológico ou do reflexo luminoso de um planeta. No Brasil (e no mundo) se deu grande espaço para a divulgação do suposto paranormal Uri Geller mas pouquíssimo foi dito sobre ele ter sido desmascarado como falsário.

Esta mídia oportunista é a mesma que explora eventos reais que causam comoção pública, dotando-os de uma importância manipulada e artificial, enquanto se calam sobre temas de maior importância mas menor capacidade de gerar lucro. Esta é uma forma de perpetuar e até aprofundar a ignorância. Mais uma vez apenas um leitor consciente pode reverter esta situação cobrando qualidade do veículo que acompanha.



Devemos Acreditar na Ciência?


If you have to ask
what jazz is,
you’ll never know.
Louis Armstrong

 

O que é ciência?

A palavra ciência é derivada de scientia, uma tradução latina para o grego episteme, ambas significando conhecimento. A ciência é um empreendimento, um esforço coletivo humano para compreender o universo, a natureza e o próprio ser humano.

Qual é o objeto da ciência?

Qualquer coisa que possa ser verificada em repetidos experimentos ou observações é um objeto da ciência. Objetos além da possibilidade de observação e experimentação estão fora do escopo científico, existam ou não. Por este motivo a ciência não trata de um objeto fixo mas se expande na medida em que a própria ciência se expande. Uma discussão sobre a existência de prótons, elétrons e neutrons seria metafísica e não científica na época de Galileu ou Newton pois nenhum experimento ou observação acessível aos pesquisadores da época permitiria chegar a uma conclusão a favor ou contra a existência destas partículas.


Leonardo da Vinci foi um representante importante do renascimento, uma era onde arte e ciência não estavam dissociadas. Ele tentava compreender um fenômeno descrevendo-o em detalhes, muitas vezes por meio de suas gravuras espetaculares, e não tinha grande preocupação com aspectos teóricos.

Além da observabilidade o tratamento de um objeto científico deve estar embasado em uma formulação teórica ou modelo que permita sua compreensão, mesmo que parcial ou fragmentada. A mera realização de um fenômeno em laboratório não torna imediatamente aquele fenômeno um objeto de estudo científico se não existem modelos ou teorias que possibilitem sua compreensão. Historicamente isto foi ilustrado inúmeras vezes por meio de resultados totalmente inesperados que acabaram sendo ignorados ou vistos como meros erros experimentais para ser, mais tarde, reconhecidos como descobertas novas e importantes. Portanto a ciência não evolui nem por meios empíricos nem formulações racionais isoladamente mas consiste em uma interação permanente entre modelos teóricos e feitos experimentais (ou observacionais).

Como progride a ciência?

A ciência evolui através da observação de fenômenos, sempre que possível realizados em laboratório sob condições controladas. Muitas vezes um fenômeno não pode ser reproduzido em laboratório mas deve ser observado diretamente na natureza. Isto ocorre na astrofísica, por exemplo, onde os objetos sob estudos em geral se encontram distantes e os eventos ocorrem em escalas gigantescas. Também existem situações onde o custo do experimento é proibitivo ou a ética impede sua realização, tal como estudos sobre a psicologia ou genética humana. Modelos são criados para explicar o que se observa e são verificados por meio de novos experimentos. Por isto todo modelo científico deve prever novos fatos, observados ou extraídos da experimentação, possíveis de serem verificadas. Experimentos com resultados positivos levam à uma confirmação parcial do modelo enquanto um único resultado negativo, se devidamente verificado, deve levar ao abandono completo daquela formulação. Nenhum modelo é considerado uma verdade final e definitiva mas uma aproximação recursiva, uma boa descrição de parte da natureza.

Neutrinos mais rápidos que a luz?

Na foto: anúncio do resultado do experimento com neutrinos supostamente mais rápidos que a luz no CERN, 23 de setembro de 2011.

Em Outubro de 2011 um grupo de pesquisadores do projeto Opera estavam realizando medidas do tempo necessário para que neutrinos emitidos no CERN, na Suíça, fossem detectados na Itália. Estes neutrinos eram emitidos no CERN, viajavam 730 km por baixo da crosta terrestre e, aparentemente, foram detectados na Itália em tempo inferior ao que seria gasto por um feixe de luz viajando pela mesma distância. O grupo anunciou que tinham encontrado neutrinos com velocidade superior à velocidade da luz.

Como esta afirmação contradiz um postulado importante da teoria da relatividade a comunidade científica reagiu, como sempre faz, com ceticismo. Se correta a notícia implicaria em uma revisão profunda de princípios bem estabelecidos da física, entre eles a própria teoria da relatividade especial, TRE. A TRE é construída sobre o postulado de que a luz viaja com velocidade limítrofe, que não pode ser alcançada por nenhum corpo com massa não nula. Embora essa pareça ser uma atitude conservadora ela é necessária: o anúncio de qualquer nova descoberta deve ser verificado em outros laboratórios, o que é feito em geral por cientistas de todas as partes do mundo. Afirmações extrordinárias como esta exigem comprovações igualmente extraordinárias antes de serem aceitas. Desta forma erros ou enganos propositais são eliminados e não se perde tempo reformulando teorias bem verificadas.

Diversos grupos repetiram o experimento e encontraram uma velocidade compatível com as teorias aceitas: neutrinos, como partículas de massa de repouso nula, viajam com a velocidade da luz. Mais tarde o próprio grupo Opera anunciou a descoberta de um cabo ótico mal afixado provocou um atraso em suas medições que explicaria a medida incorreta.

Também pode ocorrer que um experimento resulte em verificações totalmente diferentes daquelas esperadas, forçando uma revisão profunda na ciência da época e proporcionando um grande progresso.

Resultados negativos importantes

Em algumas situações ao longo da história da ciência experimentos com resultados negativos foram extremamente importante para a compreensão da natureza. Na física um dos casos mais conhecidos se deu com o experimento de Michelson e Morley, em 1887. Antes da formulação da Teoria de Relatividade, por Einstein, uma incompatibilidade entre as teorias do eletromagnetismo de Maxwell e a mecânica clássica de Newton vinha incomodando físicos e matemáticos do final do século 19. Nada na teoria de Newton restringe a velocidade de propagação da luz enquanto a teoria eletromagnética prevê uma velocidade fixa e constante, além de independente do observador. Segundo a teoria de Maxwell a luz é uma onda e, portanto, era natural especular à respeito do meio por onde esta onda se propagava. Naquele época este meio hipotético foi denominado éter. Parte da questão poderia ser resolvida medindo-se a velocidade da luz para observadores com diferentes movimentos em relação à fonte emissora da luz. Michelson e Morley construiram um instrumento composto por dois braços perpendiculares e um conjunto de espelhos destinados a medir variações da velocidade da luz quando viajando em direções parealela ou perpendicular ao movimento da Terra pelo espaço. Os dois repetiram a experiência em diversos momentos do dia e ao longo dos meses, buscando detectar o movimento da Terra em relação ao suposto éter. No entanto, apesar de terem construído um aparelho de altíssima sensibilidade, não detectaram nenhuma variação.

Este resultado negativo mostrou que a luz não necessita de um meio para se propagar e que sua velocidade é a mesma para qualquer observador em movimento em relação à fonte. Esta é um dos postulados básicos da Teoria da Relatividade Especial.

A Relatividade de Einstein, tanto a especial como a geral, é um bom exemplo de como uma teoria revolucionária é sempre recebida com ceticismo e desconfiança mesmo que apresentem boa consistência teórica ou sejam verificadas experimentalmente. Ambas as formulações conduzem a conclusões importantes que podem ser verificadas em laboratório ou observações astronômicas, estando todas elas em excelente conformidade com as teorias. Apesar do sucesso, hoje amplamente reconhecido, se uma única observação for feita contrária às teorias elas terão que ser refeitas e substituídas por novos modelos. No caso da relatividade, na medida em que o tempo passa e as observações se tornam cada vez mais precisas, cresce a confiança de que este é um modelo correto para os domínios testados.

Mecânica Clássica, Quântica e Relativística

Nenhuma experimentação pode levar à conclusão de que o modelo testado esteja correto em todos os domínios de verificação. Pelo contrário, é crença comum no meio científico que, para domínios de altíssimas energias (o que significa altas temperaturas ou altas velocidades), a teoria da relatividade deve ser modificada. A teoria da relatividade geral, curiosamente, prevê seu próprio fracasso para regiões do espaço onde as densidades de matéria-energia sejam muito altas.

Newton, Einstein e Planck

Um exemplo histórico interessante de como uma teoria aceita e bem estabelecida não se sustenta em todos os domínios de aplicação se deu com a mecânica newtoniana. Newton apresentou sua formulação da mecânica clássica através de um formalismo matemático elegante que ele mesmo desenvolveu (simultânea e independentemente com Leibniz), o Cálculo Diferencial e Integral. Este modelo foi testado em diversas situações tendo se mostrado eficiente para descrever o movimento de partículas e corpos com altíssima precisão. Estes testes, no entanto, foram sempre realizados com velocidades pequenas se comparadas à velocidade da luz, como era possível com a tecnologia existente até o final do século 19. Para velocidades altas, tais como as observadas no interior de aceleradores de partículas, em raios cósmicos ou alguns objetos astronômicos, a mecânica clássica não fornece resultados compatíveis com os observados. Neste caso torna-se necessário usar a teoria da relatividade. Ocorre ainda que, se as energias envolvidas forem muito pequenas, comparadas à uma certa quantidade minúscula de energia, o quantum descoberto por Planck, torna-se necessário usar a mecânica quântica. Estas duas teorias se reduzem à mecânica newtoniana quando as escalas de velocidade e energia se reduzem à escala newtoniana (basicamente aquela observada no cotidiano!) Não é correto, portanto, se afirmar que Einstein e os formuladores da mecânica quântica mostraram que Newton estava errado, mas sim que ampliaram os limites de aplicabilidade de sua teoria.

É bem conhecido hoje que os efeitos observados nos novos domínios explicados pelas teorias mecânicas modernas são não intuitivos e violam nosso senso comum, desenvolvido ao longo de longas eras pela evolução e moldados pela experimentação sensorial ordinária.

Que benefício tiramos do desenvolvimento científico?

Em uma primeira abordagem esta pergunta admite uma resposta muito simples. A descoberta de microorganismos tais como fungos, bactérias, protozoários ou vírus, e os métodos de impedir alguns de seus efeitos nocivos sobre a saúde humana por meio de antibióticos, por exemplo, tem melhorado a qualidade de vida das pessoas no planeta e extendido em muito a longevidade. As técnicas avançadas de produção de vacinas, algumas delas envolvendo a manipulação sofisticada de genes, têm salvado muitas crianças da morte prematura ou de doenças fortemente debilitantes. O uso da eletricidade para impulsionar máquinas ou para acionar equipamentos eletrônicos é outro exemplo imediato. A civilização atual colapsaria quase instantaneamente se, por qualquer motivo, não pudéssemos mais usar a eletricidade. Surpreendentemente, colapsaria também sem o uso de satélites transmissores de informações, alguns deles em órbitas geoestacionárias tão baixas que necessitam de correções feitas com a teoria geral da relatividade. Você pode, se quiser, se recusar a usar efeitos quânticos mas, para isso, teria que abandonar seu telefone celular, seus computadores, sua tv inteligente, todas as suas operações bancárias.

Em outro nível, no entanto, esta pergunta se torna mais difícil de ser respondida. A tecnologia tem tornado a vida humana de melhor qualidade, no sentido do bem estar, da felicidade e da realização pessoal? E o que pensar sobre os desafios e ameaças provocados pela própria tecnologia, tais como o aquecimento global, a poluição ou o risco do desenvolvimento de microorganismos artificiais e perigosos para a vida humana e do planeta?

Por um lado não é possível separar a história humana do desenvolvimento da tecnologia. Desde a pre-história usamos tecnologia nos alimentar, para tecer, para modificar espécies vegetais e animais, para nos locomover e, principalmente, para conhecer o mundo e desenvolver a própria ciência. Existem pesquisas que mostram que o desenvolvimento das camadas superiores e mais sofisticadas do cérebro humano se tornou possível devido à tecnica de cozinhar o alimento, o que permite que consumamos uma variedade muito maior e mais farta de produtos.

Por outro lado, não se pode negar que a tecnologia introduziu problemas novos, alguns muito sérios. Seriam possíveis outros caminhos? O desafio moderno é gigantesco e a própria sobrevivência da espécie depende dos rumos que a sociedade decidir tomar neste momento. Infelizmente existe uma inércia muito grande imbutida na natureza humana, que é ainda maior nos organismos e instituições. Decisões que implicam em severa redução de lucros para as empresas, por exemplo, são difíceis e improváveis até que o prejuízo ambiental seja avassalador. A não linearidade da resposta da natureza pode fazer com que o desgaste só seja reconhecido quando for tarde demais. Em outras palavras pode muito bem ocorrer que o estrago neste momento já tenha ultrapassado o ponto onde um retorno seja possível.

Considere, por um exemplo, a questão climática. É amplamente reconhecido que estamos passando por um processo que aquece o planeta e que este fenômeno está em aceleração. O aquecimento global, entre outras coisas, produz diferenças acentuadas entre climas quentes e frios. No hemisfério norte ocorrem invernos muito rigorosos porque correntes de ar frio do pólo norte consegue quebrar a barreira que antes impedia seu progresso até áreas ao sul. Este resfriamento local causa ceticismo entre as pessoas leigas sobre se de fato há um aquecimento.

A noção de que podemos combater os problemas gerados simplesmente abandonando a tecnologia é, no mínimo, ingênua. Certamente necessitaremos de mais ciência e de mais tecnologia (e muita boa vontade) para vencer o problema do aquecimento global, da poluição, da escassez de água potável, do aumento de agrotóxicos na produção de alimentos, do perigo das armas químicas, biológicas ou nucleares, do crescimento da população de bactérias super resistentes, e dai por diante.

Muitas ameaças atribuídas à tecnologia não são, de fato, devidas a ela. Por exemplo, a internet é um fantástico veículo de informação, um apoio às liberdades democráticas e uma ferramenta poderosa de combate aos regimes totalitários e, eventualmente, ao fanatismo, intolerância e fundamentalismo supersticioso. No entanto ela aumenta dramaticamente a exposição das crianças e jovens à pornografia, a conteúdos impregnados de ódio e discriminação e intolerância política e religiosa. Todos estes elementos obscuros são partes comuns de nossa história e não surgiram com a internet. Não cabe, portanto, atribuir a ela uma culpa direta por sua existência mas apenas pela facilidade de sua difusão. Quando a expressão individual é livre e as opiniões podem circular livremente deve-se esperar também a circulação de conteúdo de valor duvidoso. Esta dificuldade não pode ser resolvida através do cerceamento da liberdade de expressão ou da circulação das ideias. Pelo contrário, a ampliação da informação, o esforço pela melhoria de sua qualidade e do alcance da informação são as formas cabíveis de se atacar o problema. Dando um exemplo, com a liberdade de postagem de temas diversos na internet os pais não podem impedir que seus filhos tenham acesso à pornografia (se é que puderam algum dia!) Uma informação correta sobre a sexualidade, sobre as perversões e sobre os perigos envolvidos deve ser suprida, de preferência pelos pais e cuidadores mas também pela escola e por sites dedicados à difusão do estudo e do conhecimento.

Devemos acreditar na ciência?

Esta pergunta não é de todo apropriada (daí a citação inicial da célebre frase de Louis Armstrong, sobre o jazz). A ciência não envolve fé ou crença mas entendimento de suas teorias, quando possível, ou a compreensão de como ela funciona. Está claro que na atualidade nenhuma pessoa consegue dominar os diversos ramos do conhecimento, como ocorria no passado. Então ela deve ter o entendimento de como o conhecimento é obtido, do porque um cientista afirma ou nega um fato, de como a comunidade testa, valida ou exclui uma proposição. Para isso precisamos ter uma população instruída.

Infelizmente, vivemos hoje uma crise que atinge quase todos os paises, na qualidade da educação. No geral o problema é mais grave nos países com menor desenvolvimento sócio-econômico. A desigualdade na da educação científica e tecnológica entre as nações funciona como fomentador da dependência dos mais pobres e da exploração econômica por parte dos detentores do conhecimento.

A má formação no entendimento das pessoas produz também dificuldades internas. Como podemos esperar que um cidadão faça uma escolha esclarecida sobre tomar ou não uma vacina – ou aplicá-la em seus filhos – se ele não possui um mínimo de conhecimento sobre o tema?

Aceita uma dose de vacina?

O que te parece perguntar ao cidadão brasileiro médio: “Você aceita tomar uma vacina feita com partes do microorganismo a ser combatido, ou com o próprio microorganismo, ainda vivo mas enfraquecido, com partes do DNA de um vírus, onde a habilidade do vírus em afetar a saúde humana está desabilitada ou enfraquecida?” E ainda acrescentamos: “Não se preocupe, a vacina passou por teste de duplo cego randomizado, 350 pessoas sofreram de efeitos colaterias adversos e somente duas mortes foram verificadas em uma amostra de 5 milhões de vacinados.”

Enquanto a educação não puder dotar os cidadãos com o mínimo aceitável de conhecimento científico permanecerá a exploração e a exclusão de uma vasta maioria por alguns poucos manipuladores. A escola, é claro, deve ser a primeira frente de batalha. Este processo é lento mas é o único com solidez e sustentabilidade. Ele é lento porque a escola é uma instituição extremamente inerte e letárgica, demonstrando extrema dificuldade em assimilar novas tecnologias. É muito difícil promover aperfeiçoamentos nas escolas principalmente porque a formação de um bom quadro de professores é demorada e cara e nunca foi uma prioridade em nosso país.

A divulgação científica, promovida por jornais, rádios e revistas não especializadas é muito deficiente em nosso país. Dificilmente uma notícia importante em ciência de ponta pode ser compreendida, mesmo por especialistas da área, apenas com base no que é divulgado pelos principais jornais. Aparentemente os setores voltados para esta atividade na mídia recebem apoio e recursos muito (mas muito) inferiores àqueles destinados ao esporte, por exemplo. Mais recentemente têm surgido uma boa divulgação pela internet via blogs, podcasts, etc. O alcance destas mídias ainda é insuficiente.

Ciência é o oposto de religião?

Ciência, por definição, é uma busca sólida pelo conhecimento que busca confirmação teórica e empírica para seus achados. O método científico é relativamente novo, tendo se iniciado em torno da época em que viveu Galileu Galilei (1564-1642). Qualquer forma de se avançar sobre a ignorância, desde feita de forma sistemática, reprodutível e comprovada por qualquer pessoa que se disponha a fazê-lo, pode e deve ser incorporada ao método científico. A religião apresenta inúmeras afirmações que não podem ser comprovadas cientificamente. Ela se baseia na revelação e na fé, geralmente em torno da experiência de um indivíduo supostamente mais hábil ou com faculdades ou percepções superiores à da maioria das pessoa, ou em torno de tradições antigas e de origem remota ou esquecida. Estas afirmações terminam por se concretizar em livros sagrados e mitos que se transformam com o tempo em tradições que não podem ser questionadas. Se as afirmações do indivíduo “iluminado” ou da literatura sagrada não podem ser verificadas por qualquer pessoa então elas não podem ser chamadas de científicas. Uma afirmação sobre um fato que não pode ser reproduzido, confirmada ou descartada como falsa, não tem qualquer relevância na vida das pessoas nem no entendimento que fazemos do mundo.

Existe um Bule Voador entre a Terra e Marte?

Seguindo o argumento do matemático Bertrand Russel, imagine que eu afirme existir um bule celestial voador circulando em órbita elíptica entre as órbitas da Terra e de Marte. Ninguém poderá verificar sua existência pois ele é pequeno e não pode ser visto mesmo com o uso de telescópios poderosos. Evidentemente que ninguém de bom senso se empenhará na descoberta de tal objeto estranho. Russel usou este argumento para mostrar que o ônus da prova recai sempre sobre aquele que afirma alguma coisa.

Uma afirmação sobre algo intangível, não demonstrável nem percebido de modo inequívoco não é sequer uma hipótese científica e postular simplesmente a existência de tal coisa é, portanto, desnecessário e irracional. É uma forma de violação da navalha de Occam.

Se uma pessoa em estado meditativo vê algo extraordinário ela pode passar a defender ardentemente a existência daquilo que viu. Mas, como podemos saber se ela viu algo de fato, se sonhou, se alucinou ou simplesmente se iludiu? Ou, o que é pior, se está tentando deliberadamente enganar as pessoas para tirar de algum tipo de vantagem? A história das religiões exibe todos estes tipos de engano!

Deve-e ainda lembrar que afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias. Por exemplo, se um físico afirmar que existe uma quinta força, além das quatro conhecidas, ele terá que apresentar uma prova contundente, seja por meio de um experimento ou um fortíssimo argumento teórico que justifique pelo menos a consideração de sua argumentação.

E os universos paralelos?

Suponha ainda que alguém postule a existência de um universo paralelo que não interage de modo algum com o nosso. Se ele não nos afeta não pode ser encontrado e sua existência não pode ser comprovada, nem descartada. Este universo, mesmo se existir, não é objeto de investigação científica e … você não deve ser preocupar com ele. Mas, se alguém encontrar uma forma qualquer de interação entre os universos então ele passa a ser objeto de nossa atenção. Este é o caso de uma teoria especulativa proposta por Neil Turok e outros.

Vamos tomar a seguir dois exemplos de teorias científicas, o modelo cosmológico padrão, usualmente chamado de Big Bang, e a Teoria da Evolução das Espécies.